segunda-feira, fevereiro 26, 2007

O Inverno a terminar.

A ponte do Infante e a de Dona Maria, vistas da Rua Duque de Loulé, no Porto, ao princípio da noite, na passada semana.

Benstwood Boys - Suede



(inacabado)

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sábado, fevereiro 24, 2007

101.º post

A Cordoaria (Campo Mártires da Pátria), no Porto, num frio final de tarde da passada semana.

Whistle for the Choir - The Fratellis

"The inferno of the living is not something that will be; if there is one, it is what is already here, the inferno where we live every day, that we form by being together.
There are two ways to escape suffering it.
The first is easy for many: accept the inferno and become such a part of it that you can no longer see it.
The second is risky and demands constant vigilance and apprehension: seek and learn to recognize who and what, in the midst of the inferno, are not inferno, then make them endure, give them space.
"
Italo Calvino (1972) Invisible cities.

Os meus passos perdidos no largo lageado da Cordoaria
busca olhos de gente
igualmente perdida
na confusão dos seus dias imensos,
das suas horas tristes e camboleantes,
que fogem dos faróis furiosos e irrequietos,
que agitam o meu cérebro
[e os deles]
com luzes hipnotizantes,
à medida que o Sol se esvai.

Os plátanos desenham-se doentes
no skyline azulado do ocaso
e
Vénus radiante emana
os seus raios de final de tarde.
Mais um passo
e outro,
enquanto os pés se acomodam doridos nos sapatos e nas meias incómodas que calço
e descalço
esta bota
enquanto me perco em suspiros.

Os olhos das gentes,
caídos como a aba de um véu,
correm apressados
como a alma foge da luz
como a vida foge do céu.

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Mais uma resposta ao repto que aqui lancei para descreverem o vosso golo de sonho vestidos de azul e branco, a juntar ao João Saraiva, ao Aníbal Letra, ao André Moura e Cunha, ao Ricardo Castro Ferreira, ao Michael Knight, ao Guarda Abel e ao Ricardo:
- A do Paulo Costa, do Bisca dos Nove. Um sonho improvável para um comum adepto do Porto, até porque se desenrola na Mata Real. Apesar do cenário surpreendente, o sonho é tão hilariante como bem escrito. Um must!

Ainda sobre o FCP, espreitem estas contas do Tiago Barbosa Ribeiro, no Kontratempos, e este texto do Carlos Abreu Amorim, no Blasfémias. Ora aí está mais um a quem desafio para redigir o seu golo de sonho de dragão ao peito.
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Destaques:
-
Esta pérola do fundo do baú, no Linear P. (Private joke!)
-
Este texto no Dias Com Árvores.

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quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Depois do jogo de ontem, uma premonição...

Londres durante o Blitz, 7 de Setembro de 1940.

It ain't over till it's over - Lenny Kravitz

"Football is all very well as a game for rough girls, but is hardly suitable for delicate boys."
Oscar Wilde

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segunda-feira, fevereiro 19, 2007

Carnaval no Porto
(Finalmente, com texto!)

O famoso Carnaval de 1906, no Porto. O desfile percorre Santa Catarina.

Carnival - The Cardigans

"O Porto mascara-se n'esses tres dias; cada rua é um palco, cada casa um salão de baile."
Arnaldo Gama (1857) O Génio do Mal.

Entre outros motivos, o medo do ridículo afastou a minha geração (a primeira umbilicalmente mediática) do Carnaval. Na era da imagem, do virtual e da aparência, as gentes temem a afirmação da máscara com medo de serem apontados como diferentes entre iguais ou de esta destapar o outro disfarce que alienadamente usam no dia a dia.
Noto isso nos meus amigos que, nos três dias de folia e à medida que abandonávamos a adolescência (que, no meu caso, dura lamentavelmente até à actualidade), cada vez mais apareciam no seu traje quotidiano acompanhados do chavão: "Eu não ligo muito ao Carnaval" ou à bizarria: "Este ano vou passar um Carnaval tranquilo", que é, por definição, a antítese da época. As noites de segunda-feira gorda passaram a ser cada vez mais iguais às outras trezentas e sessenta e quatro: uma desculpa para catrapiscar um parceiro/a e/ou para beber para além da conta.
Noto isso também na minha cidade que, ano após ano, foi perdendo a animação de rua, as vestimentas estranhas, os disfarces elaborados, ou os confetis e serpentinas que decoravam o espaço público, sendo que o fenómeno se alastra a quase todas as cidades do país que, das duas uma, ou ignoram a ocasião, ou abrasileiram a festa de forma lamentável e inapropriada (como aliás a Miss Pearls, no Corta-Fitas, lembrou através de um texto antigo de Francisco José Viegas).
É por isso que, ao contrário do que é costume, aplaudo a iniciativa da CMP de apoiar a festa de Carnaval na baixa do Porto. Os mesmos amigos de que falei há pouco costumam acusar-me de maledicência em relação ao actual presidente da edilidade apenas por ele não apoiar o meu clube. É certo que isso também me incomoda, não tanto pelo apoio (que nós dispensamos…), mas pela antipatia mal-educada com que trata uma das instituições mais bem sucedidas do Porto. Mas o que sempre me apoquentou na actual CMP tem sido a forma como esta despreza a interacção com a população e como nunca contribuiu para a cultura popular do Porto, tema tomado sempre como caro e inadequado, ou nunca apelou para as raízes etnográficas da cidade ou da sua memória (basta lembrar a ausência de comemorações em torno dos 150 anos da morte de Garrett, entre tantas outras falhas).
E aplaudo a iniciativa porque antigamente o Carnaval era uma grandiosa festa no Porto, descrita por Arnaldo Gama, em "O Génio do Mal", de 1857, como “três dias de verdadeiro delírio – mas do delírio do prazer e da alegria, e não do delírio do regatão e do gallego. Nesses dias o cidadão do Porto, de todas as classes, diz «viva a alegria!»”.
Em meados do século XIX, para além das autênticas batalhas nas ruas em que as laranjas, os ovos, a água e a farinha eram as armas de fogo (Carnaval que, ainda assim, Alberto Pimentel em "O Porto na Berlinda", de 1893, apontava ser “muito mais civilisado que o de Lisboa”, onde aparentemente a população atirava tremoços à cara de quem passava), à noite a cidade engalanava-se para os glamorosos bailes que se faziam em diversos salões privativos por toda a cidade (como na Therpsichore ou na Euterpe, espécie de antepassado do Ateneu Comercial), com particular destaque para os do antigo Palácio de Cristal, tidos como deslumbrantes e inesquecíveis, mesmo para quem conhecia os grandes salões europeus.
Mas a verdadeira animação passava-se fora dos grandes salões. Era nas ruas, entre ricos e pobres, que a festa se fazia, com particular destaque para as multidões que se aglomeravam na Rua de 31 de Janeiro, onde as janelas se enchiam de senhoras e meninas em busca de galanteios, e na Praça Nova (mais tarde, de D. Pedro e da Liberdade), observando, rindo e aplaudindo os mascarados que dominantemente optavam pelo disfarce de galegos, ingleses, árabes, reis, príncipes e macacos, mas sobretudo de campónios, que com a sua vara de medir o estrume desencantavam umas graçolas de gosto duvidoso (mas que, na altura, faziam furor!).
E era também pelas ruas da cidade que se passeavam os desfiles (que ocorriam com assiduidade, ainda que nem sempre anualmente) de outros tempos, sempre pensados com pedagogia e um humor mais elaborado e menos brejeiro que os escassos que se fazem na actualidade. Esses desfiles de iniciativa privada (normalmente liderados pelos irmãos Luso, vindos de uma família ligada ao ensino) eram anunciados com pompa pela imprensa, e faziam afluir à cidade centenas e centenas de pessoas vindas de todo o Norte do país e até de Lisboa, inflacionando o preço das melhores janelas para ver o cortejo e enchendo as hospedarias e estalagens da cidade como em nenhuma outra altura do ano.
Um dos que maior brado causou (e que terá tido uma assistência de cerca de 60 mil pessoas, segundo a imprensa da época), decorreu na tarde de Domingo gordo de 22 de Fevereiro de 1857 e pretendia representar o regresso de D. Sebastião, vindo finalmente do seu longuíssimo exílio. O cortejo começou na extinta Praia de Miragaia (que estaria onde hoje se ergue o edifício da Alfândega), com o desembarque do rei e, depois de várias voltas pelas ruas da cidade, terminou na Praça da Batalha, espaço privilegiado da boémia e animação do Porto de Oitocentos, sem que se tivesse registado “nenhuma rixa, nenhuma briga nem desordem (…). À noute foi D. Sebastião ao theatro de S. João com o seu cortejo assistir ao baile de máscaras”, como testemunhou o jornal "Periódico dos Pobres", no dia seguinte.
A tradição carnavalesca manteve-se firme no Porto ao longo dos anos e, já no início do século XX, ficaram famosas as disputas entre clubes ou associações recreativas pelo melhor desfile. A fotografia de Domingos Alvão, acima reproduzida, evoca precisamente um desses momentos, no caso o Carnaval de 1906 em que o Clube Fenianos e o Clube Girondinos organizavam os seus próprios cortejos com o intuito de superar o adversário. Na imagem acima, um dos dois cortejos (sem certeza absoluta, julgo ser o do Clube Fenianos) desfila animado, sob uma vasta chuva de serpentinas e perante a alegria da população que se aglomera nos passeios e nas janelas, pela Rua de Santa Catarina, na intersecção com a Rua de Passos Manuel. O edifício baixo da esquina será mais tarde substituído pelo conhecido edifício Palladium de Marques da Silva, actualmente ocupado pela Fnac e pela C&A.
Ainda que pela primeira vez venha a terreiro aplaudir uma iniciativa camarária vinda desta edilidade, não posso deixar de apelar ao senhor presidente para que desta vez permita que os participantes critiquem publicamente o município, aliás, como era costume no Porto de há 150 anos atrás. No Carnaval de 1859, por exemplo, a temática era “As Sete Maravilhas do Porto”, em que a sexta era tão só intitulada de “Obras Municipais”. O painel incluía uma vara de porcos focinhando nas ruas do Porto e a legenda dizia: “Ensaiar-se-ha brevemente este systema mais fácil de enfossar em todas as ruas ao mesmo tempo”.
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Mais uma resposta ao repto que aqui lancei para descreverem o vosso golo de sonho vestidos de azul e branco, a juntar ao João Saraiva, ao Aníbal Letra, ao André Moura e Cunha, ao Ricardo Castro Ferreira, ao Michael Knight e ao Guarda Abel:
- A do Ricardo, do Apatia Geral. Mais um emocionante e tecnicamente perfeito golo perante os vermelhos, mesmo antes do apito final. Obrigado, Ricardo!

Dos convites que fiz à participação, tenho também a confirmação de textos para breve, que aguardo ansiosamente: do Bruno Sena Martins, do Fitzx, do Manuel Jorge Marmelo, do Paulo Costa e do Pedro Olavo Simões.
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A ver/ler/responder:
1 -
Esta belíssima fotografia no Não Sei Pra Mais, do nosso Estádio do Dragão.
2 -
Esta excelente reportagem intitulada "O Douro é um milagre", no Coriscos.
3 -
Este texto que aborda um tema que por aqui é recorrente - a Banda Desenhada - no Corta-Fitas.
4 -
Este divertido inquérito no Pobo do Norte.

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quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Time Machine

A Ponte Luís I, vista por mim, ontem ao princípio da noite, enquanto o tempo voava ao meu lado.

Till Kingdom Comes - Coldplay

"There is no difference between Time and any of the three dimensions of Space except that our consciousness moves along it."
H.G. Wells (1895) The Time Machine.

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quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Grandes Vinhetas # 12
(celebração de São Valentim)

Retirado de "A Estrumpfina" (1967) Peyo.

Perfect Lovesong - Divine Comedy

Give me your love
And I'll give you the perfect lovesong
With a divine Beatles bassline
And a big old Beach Boys sound
I'll match you pound for pound
Like heavy-weights in the final round
We'll hold on to each other
So we don't fall down

Give me a wink
And I'll give you what I think you're after
With just one kiss I will whisk you away
To where angels often tread
We'll paint this planet red
We'll stumble back to our hotel bed
And make love to each other
'Til we're half dead

Maybe now you can see
Just what you mean to me

Give me your love
And I'll give you the perfect lovesong
Give me your word
That you'll be true to me always come what may
Forever and a day
No matter what other people may say
We'll hold on to each other
'Til we're old and grey


Para ti! (mas pintaremos o planeta de azul e branco...)
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Ventos do Norte:
-
Este post do André Moura e Cunha, no In Absentia.
-
Esta crónica de Jorge Maia, no Jornal "O Jogo".
-
Este post pelo Álvaro, no Portogal.

- A ler também a série "Especial Dia dos Namorados" (
1, 2, 3, 4), no 31 da Armada.

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Grandes Vinhetas # 11
(adenda de Grandes Vinhetas #10)

Retirado de "O Raio Misterioso" de "As Aventuras de Joana, João e do Macaco Simão", do original em francês publicado no jornal "Le Petit Vingtième", de 6 de Janeiro de 1938.

Do you remember the first time? - Pulp

Nos comentários ao post anterior, R. Castro Ferreira, do Solas na Mesa, levanta uma questão interessantíssima: se a Brooklyn Bridge figura na fotografia publicada no Crapouillot, de Outubro de 1930, e na vinheta retirada de "A Erupção do Karamako", porque é que ela não figura na de "Tintin na América"? Diz ainda o Ricardo: "Será que encontramos uma falha do mestre ou apenas um capricho de artista?"
A resposta é difícil, muito difícil.
Vamos por partes. Nos mesmos comentários levantei duas hipóteses:
1 - A Brooklyn Bridge, sendo um objecto de leitura dominantemente horizontal (ainda que um ícone da cidade de Nova Iorque), retiraria o impacto vertical que Hergé desejava para a referida vinheta. Ou seja, Hergé desejava claramente simbolizar, através de um último olhar de Tintin, à medida que o barco se afasta em direcção ao continente europeu, a urbanização voraz do capitalismo americano em contraste com a enorme planície oceânica. Irónica e possivelmente de forma intencional, os próprios edifícios parecem um gráfico de barras à boa maneira dos estudos financeiros de uma empresa americana.
2 - Hergé desejava acentuar a insularidade de Manhattan e afirmar o abandono do continente americano, enquanto Tintin iniciava a sua viagem transatlântica. A ponte acabaria por deixar ao leitor a imagem visual de continuidade, inadequada ao propósito referido.
No caso de "As Aventuras de Joana, João e do Macaco Simão", Hergé não tem necessidade de sublinhar estas questões uma vez que, ao contrário do que acontece em "Tintin na América", os Legrand (pais) estão a chegar ao continente americano e os Estados Unidos não são vistos como o inimigo capaz de tudo por dinheiro, mas o lugar onde ansiosamente a sua filha os espera.
Julgo que estas razões serão suficientes para justificar a ausência da ponte na dita vinheta.
Mas, ainda assim, resolvi espreitar a versão original de "A Erupção do Karamako". Esta fazia parte da história "O Raio Misterioso" que foi publicado entre 1937 e 1938, no jornal "Le Petit Vintième". E, curiosamente e para meu espanto, a Brooklyn Bridge também é aí omitida (ainda que o plano pareça cortar o extremo da ilha)!
Terá sido então "falha do mestre", como aventou o Ricardo?
Julgo que nunca saberemos. Mas, de facto, o álbum contém algumas incongruências: os volantes nos automóveis estão do lado direito (Hergé terá assumido que os EUA teriam importado a postura britânica) e as cenas de cowboys no velho oeste parecem pouco consentâneas com a década de 30 do século XX, onde a acção se desenrola. A história viria a ser redesenhada, como praticamente toda a obra, mas neste caso por razões ligadas a um certo espírito colonialista em torno dos afro-americanos, absolutamente claro em todo o livro.
É por isso que, a afirmação que fiz no post anterior, em que defendi que a "cuidada apresentação da realidade, somada a um certo tom melodramático e crítico sobre a opressão sobre os mais fracos, acaba, na minha opinião, por enquadrar Hergé e a sua obra no movimento neo-realista de meados do século XX", deve ser entendida, não nos seus primeiros anos de trabalho no "Le Petit Vingtième", mas no período pós II Guerra Mundial, depois da paragem forçada pelo conflito e pelos ataques que sofreu por suposta (e, ao que tudo indica, falsa) ligação aos nazis (tendo sido detido inclusivamente por 4 ocasiões por grupos anti-nazis, no caótico período do pós-guerra).

P.S. - Infelizmente, não tive oportunidade de colocar o original a preto e branco da vinheta de "Tintin na América", mas fica aqui a promessa de o fazer assim que seja possível.
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Mais uma resposta ao repto que aqui lancei para descreverem o vosso golo de sonho vestidos de azul e branco, a juntar ao João Saraiva, ao Aníbal Letra, ao André Moura e Cunha, ao Ricardo Castro Ferreira e ao Michael Knight:
- a do Guarda Abel, no Pobo do Norte. Um golo perfeito, sempre em movimento e com pronúncia argelina, "no campo de futebol do Carolina Michaëlis, (...) com vista para a Igreja da Ramada Alta". Obrigado, caríssimo!

E, já agora, mais uns para o dito desafio:
- A malta portista do Nortadas, como o Diogo Feyo, o José Gagliardini Graça ou o Francisco Velozo Ferreira.
- O Fitzx, do Cromos da Bola.
- O Ricardo, do Apatia Geral.
Toca a participar!

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terça-feira, fevereiro 13, 2007

Grandes Vinhetas # 10
(adenda em Grandes Vinhetas #11)

Retirada de "A Erupção do Karamako" (1952, 1.ª edição 1936-38) Hergé.

Retirado de "Tintin na América" (1945, 1.ª edição 1932) Hergé.

Fotografia de Manhattan, publicada no jornal Crapouillot, Outubro de 1930.
(Fonte: Farr, Michael (2001) "Tintin - O sonho e a realidade").

America is not the world - Morrissey


Certo dia, no ano de 1935, o director do jornal Coeurs Vaillants - Father Courtois - propôs a Hergé a criação de uma personagem com o ritmo e a qualidade que ele havia concebido em Tintin, herói da obra que Courtois seguia atentamente desde há 6 anos, após a sua criação no Le Petit Vingtième.
Courtois, contudo, não apreciava a independência e a falta de valores clássicos em Tintin, uma vez que este não ia à escola, não tinha mãe, irmãos, nem pai que trabalhasse para o sustento da casa.
Foi assim que surgiram as "Aventuras de Joana, João e do Macaco Simão", obra que, contrariamente a todas as outras séries de Hergé, não nasceu de uma iniciativa pessoal do autor belga.
Talvez por isso não seja de estranhar o relativo insucesso da série em todo o mundo (Hergé abandonou-a no final da década de 50) e o profundo desconhecimento da série em Portugal, apesar de ter sido recentemente reeditada pela Verbo. Hergé, mais preocupado em expurgar os seus medos, sonhos e frustrações, as suas memórias e vivências pessoais em Tintin, acabou por desenvolver apenas 3 histórias (que se transformaram em 5 álbuns) para os irmãos Legrand - João e Joana - filhos de um laborioso engenheiro de aeronáutica e de uma devota dona de casa, e sempre acompanhados pelo fiel Simão, macaco de estimação. Será, aliás, esta limitação criada pela família padronizada pelos valores ocidentais que tornará injustificável a participação dos irmãos Legrand em aventuras longínquas, arriscadas e perigosas, ao contrário do solitário Tintin, sempre pronto a partir para qualquer destino.
Ainda que longe do brilhantismo de "As Aventuras de Tintin", com tramas melhor urdidas, histórias mais complexas e um traço mais cuidado, as "Aventuras de Joana, João e do Macaco Simão" são ainda assim peças de enorme qualidade, não só porque se sente a assinatura do mestre belga em cada vinheta e em cada balão, como se desvendam as relações com os livros do repórter Tintin, nos estudos que Hergé fazia para cada tira, aplicando a sua obsessão pela extrema precisão dos pormenores. De certa forma, essa cuidada apresentação da realidade, somada a um certo tom melodramático e crítico sobre a opressão sobre os mais fracos, acaba, na minha opinião, por enquadrar Hergé e a sua obra no movimento neo-realista de meados do século XX.
Para que se constate esse perfeccionismo na transição da documentação que Hergé catalogava com ardor, basta contrastar as duas vinhetas acima reproduzidas, das edições a cores dos álbuns "A Erupção do Karamako" (2.ª parte da primeira história das "Aventuras de Joana, João e do Macaco Simão" - "O Raio Misterioso") e “Tintin na América” (de "As Aventuras de Tintin"), com a fotografia de Manhattan (encontrada na documentação de Hergé), publicada no jornal satírico Crapouillot, em Outubro de 1930, num número especial de crítica acérrima ao capitalismo sedento dos Estados Unidos da América, que criava instantaneamente skylines como o de Nova Iorque e tornava decadentes os índios autóctones, que Hergé tanto admirava.
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Continuam a chegar respostas ao repto que aqui lancei para descreverem o vosso golo de sonho vestidos de azul e branco, a juntar ao João Saraiva, ao Aníbal Letra e ao André Moura e Cunha:
- do Ricardo Castro Ferreira, no Solas na Mesa, encarnando o mítico Eurico e apelando a uma nostalgia pelo futebol dos anos 80. Como te compreendo. Ainda me recordo das chuvadas imensas que apanhava, de mão dada com a minha madrinha, no gélido, duro e desconfortável betão das Antas. Que saudades!
- do Michael Knight, no Renteria Mejor Amigo. Um post divertidíssimo, num blogue curioso, na saga do Adriaanse Best Friend. Excelente participação ainda que, por lapso, não o tivesse incluído na listagem inicial. Agora, aguardo o do MacGyver e o de todos os que quiserem participar!
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E ainda:
1 - Este texto é dedicado ao meu caríssimo amigo Paulo de Sousa, do Linear P, por
esta lembrança, esquecida no fundo de uma das suas riquíssimas gavetas, de tempos que já lá vão.
2 - Não deixem de espreitar
esta denúncia do Carlos Romão no incontornável "A outra face da Cidade Surpreendente". Coincidentemente, cruzei-me com o Carlos no preciso momento em que produzia esse post. Eu estava acompanhado por turistas franceses que também "deram com o nariz da porta". Enfim...

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quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Flores na janela

Parte de um dos nossos pequenos jardins de Inverno, ontem à noite.

Flowers in the window - Travis

"Earth laughs in flowers."
Ralph Waldo Emerson (1845) Hamatreya.

Graças à minha mãe, tenho o gosto por flores, árvores e florestas, desde o dia em que a conheci. Ela que sempre encheu a minha vida de vasos repletos de cores e odores, no jardim sempre verde ou nas janelas enormes da minha antiga casa. Mas foi apenas recentemente que aprendi a cuidar da fragilidade de cada uma delas, na forma sempre ténue como a vida deambula pela morte.
Aprendi-o nem sei bem porquê. Sei que foi nas folhas deste livro (1.ª edição) que li a bula, e no empenho do teu pai, homem com raízes, tronco e folhas, que fala a língua dos pássaros e mexe na terra como quando eu chego a casa e me atiro para o sofá, que compreendi a forma de lhes tocar.
E foi nos jardins da minha terra, em São Lázaro, na Cordoaria, foi na Corujeira ou no Palácio, que entendi as palavras de Sophia: "Porque nasci no Porto sei o nome das flores e das árvores...". Ali respiro, em cada tronco, em cada copa, em cada folha caída, castanha, amarela e torcida, em qualquer dia de Outono. Já aqui o escrevi e volto a recordar, quando o meu dia chegar, eu quero rearvorear.
Estas flores, que me vês, dia a dia, a cuidar e acarinhar, estas flores são para ti, 32 meses depois de Vénus eclipsar o Sol.

Da esquerda para a direita: Gardénia Augusta (ainda sem flor) e Calancói (laranja), Prímula-alemã (branca) e Alegria (vermelha), Violeta Africana, Lágrimas-de-Anjo e Feto Espada, duas Orquídeas (um pouco tapadas pela Hera que cai da prateleira) e a Avenca (memória de uma outra que por ali vivia na minha infância), mais duas Prímulas-alemãs (rosa e violeta), dois Jacintos (branco e rosa), e Feto-de-folha-redonda.
Todos amigos, como se fossem filhos meus, a viverem felizes junto daquela janela, de olhos postos neste lugar, antes ou depois da tempestade.
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Depois do João Saraiva, mais duas respostas à proposta feita aqui:
- Do Aníbal Letra, no FêCêPê: Orgulho e Glória, num texto intenso e completíssimo em detalhes, num golo mágico com o meu número de sempre na escola: o 13.
- Do André Moura e Cunha, no In Absentia, que nos transporta para um momento de sonho - a vitória épica em Aberdeen em 1984 - e nos oferece uma verdadeira pérola: o relato feito por Gomes Amaro do fabuloso golo de Vermelhinho.

Enquanto aguardamos pelos restantes (e sei que há outras respostas a caminho), quero agradecer profundamente aos três. Já valeu a pena!
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Notas (isto hoje está longo):
1 - A seguir, a série "Os portugueses são uns mentirosos" (
I e II), no Corta-Fitas.
2 - Agradecer ao Tiago Galvão, por
estas dicas, no seu Diário.

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quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Czar Rio

Extracto do projecto de 1882, de Arturo Soria y Mata, para a Ciudad Lineal.

La tristeza durera - Manic Street Preachers

"(...) espécie de directriz da urbanização portuense, autêntica espinha dorsal da organização do espaço ocidental da cidade: a Avenida da Boavista."
J.M. Pereira de Oliveira (1973) O Espaço Urbano do Porto.

O Porto, praticamente desde os seus primórdios, teve uma tendência natural para pender para Ocidente. Desde logo, ainda antes da muralha gótica (dita Fernandina), o aglomerado estendia-se em faixa em direcção à ocidental Miragaia. Depois, a construção, na década de 30 do século XIII, dos conventos de São Francisco e São Domingos é feita a poente do alto da Pena Ventosa onde se ergue a Sé, assim como o Morro da Vitória é incluído no perímetro da muralha do século XIV, praticamente restringindo a urbanização novamente no mesmo sentido.
As razões para essa inclinação derivam sobretudo de dois factores naturais: a topografia, mais suave que a do Oriente portuense; e a presença do mar, que toma particular destaque a partir do século XIX. Estes dois elementos acabarão por criar naturais desequilíbrios no valor dos solos, que por sua vez tenderão a criar padrões diferenciados no seu uso: o Ocidente ligado à residência das classes mais altas e aos espaços de lazer e de qualidade de vida; o Oriente com a presença forte da indústria, do caminho-de-ferro e das classes mais desfavorecidas.
Até ao século de Camilo e de Eça, o caminho para Ocidente em direcção à Foz era feito pelo chamado "caminho velho", actualmente ocupado, grosso modo, pela rua do Campo Alegre e Rua de Diogo Botelho até à Rua do Padre Luís Cabral, já na Foz Velha. O percurso junto ao rio, o "caminho novo", só passa a ser verdadeiramente opção a partir de XIX, através de um conjunto de alargamentos importantes que viriam a dar origem à Alameda Basílio Teles.
Ao mesmo tempo, a Norte das duas anteriores soluções, dignificando e diversificando o caminho em direcção ao mar, foi sendo aberta, ao longo de praticamente todo o século XIX, a Avenida da Boavista, aproveitando o alinhamento da rua homónima, que havia sido definida no Plano de Melhoramentos de 1784 de João de Almada.
A Avenida é, por isso, filha das concepções barrocas implementadas pelos Almadas no Porto, mas ganhou uma imagem vincadamente Oitocentista, quer porque foi efectivamente nesse período que foi sendo aberta (através de sucessivos acrescentos) quer porque leva ao extremo o conceito barroco de tender para o infinito e de se abrir para a Natureza, uma vez que termina no Atlântico. Ao longo do referido século, a Avenida acabou por incorporar muitos dos ensinamentos e práticas que lhe chegavam do exterior, assim como rasgou novas fronteiras que serviram de modelo para países vizinhos.
Neste capítulo, destaque-se a forma como a Avenida soube incorporar o pequeno trem a vapor que unia a Praça Carlos Alberto à Foz, destacando-se como o primeiro pequeno vapor a funcionar dentro de uma cidade ibérica, prova do vanguardismo portuense finisecular. Aliás, no que não era peça única, dado que se podem incluir no rol, o pioneirismo ibérico no transporte americano, na introdução do carro eléctrico, e, a nível nacional, no cinema, com Aurélio da Paz dos Reis, por exemplo.
Por sua vez, o esboço acima reproduzido é um marco da história do urbanismo. Pertence aos estudos que Arturo Soria y Mata, engenheiro e político espanhol, fez para a sua Ciudad Lineal. Esta Ciudad Lineal era a solução que ele havia encontrado para os males da suja e poluída cidade industrial. Consistia numa ventilada e verde via infinita, afastada dos centros urbanos, que seria marcada por um espaço central de circulação, quer de transporte ferroviário, quer de transporte viário, possibilitando a rápida deslocação da população ao longo da cidade em linha. Do seu plano, que pretendia alargado ao planeta (tal como mais tarde F.L. Wright desejará para a sua Broadacre, que tem algumas reminiscências da Ciudad Lineal), Soria y Mata verá apenas um pequeno troço aplicado na periferia de Madrid, entretanto completamente desvirtuado.
No entanto, se olharmos para o perfil transversal do projecto para a Ciudad Lineal, veremos que ele nos evoca de forma absolutamente clara a nossa Avenida da Boavista, sobretudo para quem ainda se recorda de antigos postais do princípio do século XX, com a sucessão de moradias e chalets nas laterais da via, na presença do eléctrico no centro do espaço de circulação, na rica sucessão arbórea e, acima de tudo, no contexto de absoluta ruralidade que eram os terrenos mais ocidentais da Avenida. Ora, o que surpreende aqui é que o projecto de Soria y Mata, repito, tido como marcante na história do urbanismo, é publicada em 1882, 4 anos depois de o pequeno vapor já circular na Avenida da Boavista e 8 anos após a circulação do carro americano puxada por mulas, no mesmo trajecto.
Terá sido a nossa Avenida da Boavista uma influência para Soria y Mata?
Independentemente da resposta a esta pergunta, o que me parece absolutamente lamentável é que, tendo a nossa estrutura urbana um elemento que pode ter sido inspirador para um momento marcante da história do urbanismo, tudo façamos para o destruir. Deixam-se demolir os velhos chalets, marca inextinguível de uma arquitectura de elite de final de XIX; termina-se com o eléctrico que, como vemos, está indelevelmente associado à génese da própria Avenida; e, para agravar ainda mais a situação, arrasam-se com as espécies arbóreas, num processo que vem de longe mas que atinge foros de verdadeiro insulto naquela pista de aterragem que lá fizeram, como tão bem ilustrou o Gabriel Silva, do Blasfémias.
Neste capítulo, como em tantos outros malogradamente (como no caso da Avenida dos Aliados), esta edilidade e este obtuso Presidente da Câmara demonstraram uma incompetência e uma insensibilidade assustadora, ao não respeitarem os legados urbanísticos do passado. Está na altura, como já se faz em tudo o que é país civilizado (e que, aliás, está base dos princípios do Porto - Património Mundial), de respeitar a herança urbanística de valor, tal como é suposto prezar a herança arquitectónica monumental.
Imaginem se agora o senhor Presidente da Câmara, para além de corridas de automóveis, também gostasse de escalada. Corríamos o risco de trocar os traços barrocos, as curvas e os contornos, as cornijas, os frontões e a balaustrada que tornam deliciosa a nossa Torre dos Clérigos, por um conjunto de saliências e pequenos degraus na sua fachada, para facilitar a subida ao topo do nosso ex-libris!
Esta brincadeira recente dos aviões, por muito internacional e fashion que seja, revela, mais uma vez, um lado demasiado motorizado da actual edilidade, mais preocupada com gasolinas, querosenes e ruído dos motores, do que com ambiente, tranquilidade e segurança para os seus cidadãos.
Por mim, estou farto. Se a voz de ordem é uma acção revolucionária ao bom estilo de 1917, contem comigo!
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1 - Antes de mais, parabéns ao Corta-Fitas pelo aniversário. Um blogue dinâmico e de qualidade que ainda por cima tem dado alguma atenção ao Comboio Azul. Congrats!
2 - Tenho falado tanto de Franquin, e
aqui está mais uma fã!
3 - O blogue Cromos da Bola é muito intermitente mas, quando o Fitzx escreve, vale sempre a pena ler. Não percam esta
Viagem pelo Minho.
4 - Para além de tudo isto, gostei ainda de ler:
-
Leonoreta, na Fonte das Virtudes.
-
Rui Rio - Um livro de estilo, no Coriscos.
-
O boato, no Estado Civil.

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terça-feira, fevereiro 06, 2007

Sombras e nevoeiro

A ponte Dona Maria, no Porto, como eu a vi, a 13 de Dezembro de 2006.

Have you seen her lately? - Pulp

"Look round and round upon this bare bleak plain, and see even here, upon a winter's day, how beautiful the shadows are! Alas! it is the nature of their kind to be so. The loveliest things in life, Tom, are but shadows; and they come and go, and change and fade away, as rapidly as these."
Charles Dickens (1844) Martin Chuzzlewit.

Aos autores de blogues a quem propus, no post anterior, que descrevessem o seu golo de sonho vestidos de azul e branco, acrescento os meus caríssimos amigos de longa data:
- Paulo de Sousa, do Linear P.
- Luís Pereira, do Escrítica Pop.

E por sugestão do André Moura e Cunha, do In Absentia:
- Daniel M., do B-Site.
- Pedro Vieira, do Irmaolucia.

Já agora, aproveitem para espreitar o primeiro a responder ao meu repto: João Saraiva, do Óculos Azuis e Brancos, no post "O meu foi muito mais bonito ;-)".

Para mais inscrições, recorra à caixa de comentários!
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A ler/ver:
1 -
Este texto no In Absentia.
2 -
Estas pinturas do Porto, no Portus-cale.

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domingo, fevereiro 04, 2007

Grandes Vinhetas # 9
(exercício para exorcizar o resultado desta noite)

Retirado de "Gaston - O gigante do disparate" (1972) Franquin.

Goal, Goal, Goal - James

"Obviously one must hold oneself responsible for the evil impulses of one's dreams. In what other way can one deal with them? Unless the content of the dream rightly understood is inspired by alien spirits, it is part of my own being."
Sigmund Freud

Não há muita banda desenhada de qualidade que se envolva no futebol ou, a que há, é demasiado infantil ou mal executada para poder ser apreciada pelos mais velhos ou os mais exigentes. É por isso que, tal como no post anterior, estas pequenas pérolas do Maradona da BD - Franquin - são tão valiosas.
Obviamente, a vinheta acima é apenas parte de um saboroso sonho. E digo obviamente porque quem conhece o marcador do golo, Gaston Lagaffe (nascido a 28 de Fevereiro de 1957, no n.º 985 do jornal "Spirou"), sabe que estamos, pura e simplesmente, perante o maior dos desastrados e que, sempre que entra num recinto desportivo, são maiores as probabilidades de um golo na própria baliza do que na baliza do adversário.
Nos pontapés que vou dando ocasionalmente na bola, julgo não ser tão desajeitado como este anti-herói, mas infelizmente não navego em águas tão longínquas das do Gaston Lagaffe, como tanto gostaria. É por isso que, desde miúdo, e tal como a personagem de Franquin, imagino-me a marcar golos aos adversários do meu clube, em posturas tão elegantes como impossíveis para os meus dotes físicos, tal qual as que Gaston fantasia na vinheta reproduzida.
De todos os meus sonhos futebolísticos, o maior, aquele que me persegue há uma vintena de anos, é o de marcar, vestido de azul e branco, em pleno Estádio da Luz. Tantas vezes sonhei com esse momento utópico, que detalhei os 90 minutos na minha cabeça, durante os momentos escuros e solitários da minha meninice, mesmo antes de adormecer, noites e noites a fio.
Com um estado de tempo enevoado, marcado pela chamada morrinha (para os que não são do Porto - chuva miudinha), o jogo decorre ao princípio da noite. Eu jogo na clássica posição seis, conhecida, de há uns anos para cá, por trinco, cortando braviamente os lances de ataque do adversário que nos pressiona com insistência (na década de 80, quando íamos jogar a Lisboa, isto acontecia com frequência. Agora é o que se sabe). O árbitro já me tinha avisado que não podia ter a camisola por fora dos calções, e eu insistentemente voltava a colocá-la de fora assim que podia, num estilo muito Soren Lerby (deste, não sei se haverá muita gente a lembrar-se...).
Por volta dos 60 minutos, o extremo direito do Porto (na altura, Jaime Magalhães) inicia uma jogada rápida pela direita, que deixa o Benfica em contra pé, e cruza tenso para a área, sendo a bola rechaçada por um central do Benfica (seria o Mozer?), um tanto atabalhoadamente, para o seu meio campo.
Aí, vindo rápido de trás, e com apenas um toque, controlo a bola e preparo o pontapé para o meu pé direito, que dispara violentamente ao canto superior esquerdo da baliza, sem hipóteses de defesa para o guarda-redes benfiquista (Bento?).
Em câmara lenta, um sorriso invade a minha cara assim que começo a ouvir o silêncio profundo do estádio, apenas interrompido pela pequena claque azul e branca, criando um desequilíbrio perturbador. Em posição errática, mas aerodinâmica e com o resto da equipa atrás de mim, corro em direcção à claque do Benfica com o punho em riste, em clara postura de desafio (não escapando a uns isqueiros que me acertam sem dor), e termino a longa corrida junto aos entusiásticos adeptos do Porto, agarrado à vedação onde a pequena falange de apoio me acarinha e celebra enlouquecida o golo.
Nessa altura, em minha casa, os meus pais, irmã e madrinha vibram com o que ouvem no Quadrante Norte, enquanto o mítico Gomes Amaro, ao som da eterna melodia: "Que bonito é, as bandeiras tremulando, a torcida delirando, vendo a rede balançar", grita "É Golo! Goooolo! Um «tiro» fulminante! Ah sim! Este rapaz é o melhor centro campista europeu!!", com aquela pronúncia que adocicava cada jogo do meu Porto de infância.
Acabo assim por ter melhor sorte que Gaston. O meu sonho termina, adormecendo com o doce sabor da vitória, enquanto Gaston é acordado com um amargo grito de Prunelle (o seu superior): "Lagaffe! Você é o pior empregado de escritório do mundo!"

Proponho aos seguintes indefectíveis portistas, que leio atenta e diariamente porque têm dos melhores blogues portugueses, que coloquem nas suas moradas, onde e como marcaram o seu golo de sonho vestidos de azul e branco (como somos tantos, qualquer dia organizamos uma futebolada):
- Pedro Olavo Simões, da Fonte das Virtudes.
- Francisco José Viegas, de A Origem das Espécies.
- Bruno Sena Martins, do Avatares de um desejo.
- Paulo Costa, do Bisca dos Nove.
- André Moura e Cunha, do In Absentia.
- Rui Curado Silva, do Klepsýdra.
- Tiago Barbosa Ribeiro, do Kontratempos.
- Manuel Jorge Marmelo, do Tatarana.
- Guarda Abel, do Pobo do Norte.
- Aníbal Letra do FêCêPê: Orgulho e Glória
- João Saraiva, do Óculos Azuis e Brancos.
- R. Castro Ferreira, do Solas na Mesa.
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Nota:
De facto,
Pedro, não há pachorra!

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