terça-feira, outubro 31, 2006

O Sítio Original

Vímara Peres, a árvore, a torre e os céus do Porto. Outubro de 2004.

Mumford, seguramente, escreveu isto a pensar em Geddes.
Eu reescrevo-o a pensar em ti:
"Até mesmo teóricos do urbanismo têm cometido erros dessa natureza, em grande parte por causa da sua incapacidade de compreender a diferença, conhecida dos estudantes de biologia, entre formas homólogas e análogas. Uma forma semelhante não tem, necessariamente, um significado semelhante, numa cultura diferente; além disso, funções semelhantes podem produzir formas inteiramentes diferentes"
Mumford, Lewis (1961) A Cidade na História.

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segunda-feira, outubro 30, 2006

Anjo Gabriel

A anunciação da Boa-Nova, ontem à noite, no estádio do Dragão.


Dois bons textos sobre a vitória do clube português com maior currículo internacional contra o clube representativo de uma freguesia de Lisboa:
no Avatares de um desejo, em tom crítico, irónico e certeiro; no Pobo do Norte, que revela o conteúdo de um dos bilhetinhos que circulavam no campo.

Depois de tudo o que se passou, temos que dar razão ao Miguel Sousa Tavares: "Prefiro três Miccolis a um Lucílio Baptista".

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sábado, outubro 28, 2006

BUBAlicious

sexta-feira, outubro 27, 2006

Roma

Roma vista em 1572 por Braun e Hogenberg .

"[...] A ruin--yet what a ruin! from its mass
Walls, palaces, half-cities have been rear'd
Yet oft the enormous skeleton ye pass,
And marvel where the spoil could have appear'd.
[...]
«While stands the Coliseum, Rome shall stand;
When falls the Coliseum, Rome shall fall;
And when Rome falls--the World.»"
Lord Byron (1818) Childe Harold's Pilgrimage

O que terá feito daquele vale pantanoso, povoado por bactérias perigosas e permanentemente sujeito a cheias, um dos cenários fundamentais da história do mundo ocidental? Provavelmente, jamais saberemos.
A união fez-se ali, no sopé das famosas sete colinas, e era celebrada anualmente a 11 de Dezembro na festa do Septimontium, um dos muitos dias de festa da Roma Clássica, que chegou a ter anos de prosperidade em que se celebravam 200 dias de festividades.
Nesse fundo de vale nasceu o ponto central do antigo Império, o Forum Romano Magno, onde, entre outros elementos fundamentais como a Basílica Juliana ou o Templo de Saturno, se encontrava a pedra negra, suposto túmulo de Rómulo (sem aparente ligação à pedra negra da Kaaba de Meca) e o Umbigo do Mundo (Umbilicus Urbis Romae), o ponto zero de toda a fenomenal rede de estradas criadas pelos Romanos.
Roma terá atingido cerca de um milhão e 250 mil habitantes, no auge da sua dimensão, e era o coração de um território alargado, que se estendia da fronteira com a Escócia à Líbia, do Atlântico ao Cáspio.
O fim do Império acabaria por chegar, justificado pelo declínio económico, militar, social ou por razões biológicas como a malária, mas Roma, a Roma criada pela união dos sete povos das colinas ou, como na lenda, através do arado de bronze dos dois irmãos amamentados pela loba, essa Roma sobreviveu, ainda que reduzida a uma pequena parte da grande Roma Clássica (como o mapa acima reflecte, ainda que este a reproduza numa fase de recuperação demográfica do Renascimento), transformando o Coliseu em periferia coberta de vegetação, ou o, em tempos glorioso, Forum Romano Magno num “Campo Vaccino”.
Mais tarde, numa primeira fase, com o Renascimento do Papa Sisto V, mas sobretudo com o Barroco de Bernini, Roma atingirá novamente o esplendor e a dinâmica de outros tempos.
Ainda assim, em pleno período de queda, numa fase em que a cidade teria apenas cerca de 20 mil habitantes, é em Roma, a cidade que relegou o Vaticano para subúrbio, numa manhã durante a missa de Natal do ano 800, que o Papa Leão III marca o início de uma nova era para o Ocidente, coroando um surpreendido Carlos Magno como Imperador do novo Império Romano do Ocidente.
Tal como Jerusalém ou a cidade do México, Roma é a prova de que as cidades são como as árvores, como Mumford escreveu um dia. Por muito grande que seja a poda, novos rebentos acabarão sempre por emergir.

Aqui está o "provedor da blogosfera" como ele lhe chamou:
1 - A selecção musical do
Francisco Curate e do Pedro Mexia é excelente! Do primeiro destaco a Greek Music #seven com os Pulp e do segundo uma versão da Ceremony, pelos Galaxy 500.
2 -
Este é um dos mais belos textos que já li na blogosfera. Um abraço, POS.
3 - E
esta pergunta, como tantas outras no Perguntar não Ofende, está sensacional.
4 - E para terminar,
poesia em movimento. Homenagem a um dos mais brilhantes extremos de sempre. Tivesse nascido a uma latitude mais baixa e seria divinizado. Dará sorte para amanhã!

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quarta-feira, outubro 25, 2006

Asa de Mosca

O café "Asa de Mosca", no gaveto das ruas do Duque da Terceira e do Conde Ferreira, no passado sábado à noite, no Porto.

Quando os romanos pretendiam construir uma nova cidade, o seu ritual de fundação consistia na abertura de um sulco em torno do espaço onde iria nascer o novo aglomerado, através de um arado em bronze puxado por um casal de bovinos brancos. No sulco era colocado um punhado de terra do solo onde jaziam os seus antepassados, transformando o novo território em Terra Patrum. Essa nova área delimitada, consagrada a um deus, reproduzia, em micro escala, o próprio mundo que a rodeava.
Sentado naquele café, olhando, ao invés da fotografia, de dentro para fora, o mundo navega à velocidade do vento e agita as folhas dos castanheiros-da-Índia e das tílias, espelhando-se sucessivamente nos vidros largos e transparentes.
Ali quieto, o tempo pára no meu relógio, enquanto assisto em deleite ao ritmo nunca intenso do movimento exterior. A dimensão das janelas, absurda mas nunca excessivamente grande, permite uma leitura completa do que se passa lá fora, exceptuando na compreensão dúbia dos reflexos que, não poucas vezes, iludem-me na percepção de conversas a que assisto imaginariamente em surdina, entre quem passa lá fora e aqueles que, sentados como eu, desfrutam do melhor café do Porto, sem soltar palavra.
Ao final da tarde então, tudo se torna mais intenso. À medida que o Sol vai reflectindo torrado nos azulejos "brasileiros" de mil cores, que ocupam as fachadas vizinhas, aumentam as ilusões e os jogos de espelho que baralham o meu mundo. O branco, o negro e o cinzento, que decoram o interior do café, ganham força entre as cores que emanam do exterior, sugando o que delas se extrai, entre o semicerrar de pálpebras e a perplexidade de uma descoberta.
É estranho, contudo, que num café feito de vidro tão límpido dominem as sombras enigmáticas, e que num espaço marcado a cinzentos desbotados (à excepção do néon kitsch que decora uma das pequenas paredes opacas da sala) a cor ameace sempre invadir e se instalar.
O café é, aliás, todo ele, um paradoxo confuso.
É um espaço onde circulam juízes mediáticos e prostitutas que labutam em concorrência acesa nas ruas vizinhas.
É um lugar onde convivem os mais elitistas betos formados em gestão, que descem em sorrisos da escola de Línguas num piso superior, e artistas de roupagem anarquista e rebelde, atirados pela próxima Faculdade de Belas Artes.
É um café que abriga a rapaziada saída do liceu Alexandre Herculano, de calças rasgadas, brincos nas orelhas e boné na cabeça, e os mais respeitosos e bem tratados idosos, sempre acompanhados por um Eça, um Camilo ou um Jorge Amado pela mão.
É um centro vivo, no miolo da cidade que dizem morta.
Um aeroporto onde se ouve o inglês dos professores estrangeiros e aquela pronúncia do Porto, inconfundível e melódica.
Um recanto da modernidade envidraçada de Corbusier, mas com um painel exterior onde a palavra mosca ainda leva circunflexo na primeira sílaba.
Mas é também um café de amigos que não se cumprimentam, ainda que todos se reconheçam, ali ou em qualquer outro lugar, e que em comum têm o facto de tratarem o café pelo seu primeiro nome - Asa. O Asa.
O nome – Asa de Mosca – é desde logo um nome estranho, entre o horror e a atracção. Dizem os mais antigos (que nunca serão assim tão antigos porque o café tem cerca de 40 anos) que tudo deriva de um jogo de póquer onde "Asa de Mosca" é um tipo mais complexo de sequência de cartas e cores. Será. Até porque o café ainda é muito do que era na minha infância. Nesses tempos, corria desenfreado, para preocupação dos meus pais, em Domingos de visita à minha saudosa avó, por entre as cadeiras e as mesas escuras, em ziguezagues nas pernas dos empregados de mesa, em direcção aos posters e revistas, aos brinquedos e gelados, às guloseimas e sei lá mais o quê que se vendia no quiosque do canto do café e que entretanto desapareceu.
Lá, nesse mesmo canto, onde as sombras enigmáticas são mais ocultas, sobra ainda o velho painel em relevo das duas pombas brancas sobre fundo negro, que se afastam melancolicamente uma da outra, tal como eu observo as vidas se apartarem, através das janelas do café. Meras ilusões vãs ou memórias de um tempo que nunca houve, num recanto escuro do quiosque confuso e atafulhado que ainda habita em mim.
Aquelas janelas, de reflexos intensos, de luz e sombra, aquelas transparentes e ilusórias janelas são o sulco onde fundei a minha vida.

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sábado, outubro 21, 2006

A via do cortejo

A Rua de São Vítor, ainda há pouco, como eu e a Nina a vimos, antes de nova chuvada.
Diz-se que a uma cidade essencialmente laboriosa, e que conserva um apertado regimen commercial, convém não perder tempo com os mortos durante o dia. Eis a razão por que no Porto os offícios fúnebres se rezam à noute, quando o giro dos negócios está suspenso e quando, por isso mesmo, os negociantes podem, sem prejuízo dispôr de si. […] Diga-se antes que o costume tem muita força, e que o costume de enterrar os mortos à noute vem de longa data, está arreigado no Porto.”
Pimentel, Alberto (1893) O Porto Há Trinta Annos.

Em tempos que já lá vão, por aqui passavam os tristes cortejos fúnebres, duas horas depois do anoitecer, sob as luzes tenebrosas de tochas incendiadas.
Ainda hoje, debaixo da luz ardente dos candeeiros soturnos da rua, pareço sentir as passadas ritmadas e tensas dos vivos e a presença arfante dos mortos, no seu caminho recto rua abaixo, rumo à porta sul do cemitério do Prado do Repouso.
Lá ao fundo, naquela pose altiva e ameaçadora, a Capela e o Colégio dos Órfãos, reencarnação do velho seminário e destino desejado do Tribunal do Santo Ofício, arremessam-se num arrepio súbito e quente pelas minhas costas, graças à rectidão da minha coluna vertebral e da minha rua visceral.
À medida que fecho a janela e a luz amarelada se esvai, sinto as mãos húmidas do transparente orvalho madrugador que reflecte avermelhado como sangue derramado.
Tempo, memória, herança, passado. Bolo confeccionado nas mãos de um antepassado, na saga contínua do cortejo enlutado.

A habitual revista de blogues:
1 - Tem-se confundido o Teatro Plástico com aqueles que não querem a gestão privatizada do Rivoli. O segundo grupo poderá incluir o primeiro, mas não se resume a ele, ao contrário do que alguns querem fazer crer.
2 - E estou com o POS: "
Não me apetece muito falar do Rivoli, dizer mal do que Rui Rio é e representa, dizer que também chegam as coisas a este ponto por os meios culturais serem tacanhos e amiguistas, dizer que a ocupação não passou de "fait-divers" inconsequente mas não perdeu por isso validade e até legitimidade moral (não legal), assumidas que sejam todas as eventuais consequências (que bem podiam ser nenhumas, saibamos relativizar as coisas). Bom, parece que já falei...". E não me apetecia falar, de facto. Por tudo o que acabei de transcrever (e que concordo em absoluto), acabei por achar interessante ou detestável o que se foi escrevendo dos dois lados da barricada. Por um lado, gostei muito do que o Manuel Jorge Marmelo, o Tiago Barbosa Ribeiro e o Rui Manuel Amaral foram escrevendo, não só por causa da minha completa antipatia pela política municipal de Rui Rio, como pela vontade de apoiar quem tenta lutar contra o poder, sobretudo quando este é praticado de forma sobranceira e arrogante. Por outro lado, apreciei o que Pacheco Pereira comentou neste pequeno texto, exactamente porque as posições do Teatro Plástico não esgotam as ideias de quem contesta a política municipal.
3 - Já agora, no que se refere ao
Abrupto e à tão falada Rivolução, já não mantenho a mesma concordância no que se refere ao texto também publicado no Público. Entre outras coisas maiores, sublinho a contradição entre este trecho: «os governantes mais iluminados perceberam que, investindo na "cultura", essencialmente na "animação cultural", obtêm boa imprensa, legitimidade, figuras de cartaz e "nome". É caro, mas é eficaz, porque tem a enorme vantagem de proteger a propaganda com a intangibilidade da "cultura", que ninguém contesta nem discute, porque a criatividade está acima do debate vulgar da política» e o insucesso generalizado que levou Santana Lopes, Manuel Maria Carrilho e Fernando Gomes a derrotas eleitorais. Primeiro, porque comparar Santana Lopes com um político iluminado (a não ser que seja ironia...) não parece fazer sentido. Segundo, porque a tal política eficaz redundou em derrotas eleitorais em todos os exemplos nacionais citados. Das duas, uma. Ou o marketing político em Portugal anda pelas ruas da amargura (o que sinceramente não me parece), ou o povo português foi bem mais inteligente que o resto do mundo nas suas eleições (o que me deixa também muitas dúvidas).
4 - Sempre gostei dos jogos com as ironias da história. Neste capítulo, adorei 3 posts:
Este do Bruno Martins, contrastando Camões com Maomé; este Quiz em 3 capítulos (1, 2, 3) do JCD no blasfémias; e a continuação do já referido texto do POS, na Fonte das Virtudes.
5 - Duas notas finais. Uma, para lamentar mais uma perda patrimonial no Porto, lembrada pelo Dias com Árvores, o jacarandá do Parque de São Roque. Outra, para apoiar a
sugestão de Vital Moreira, de influência inglesa, no Causa Nossa.

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quinta-feira, outubro 19, 2006

D. Pedro

Mycobacterium tuberculosis

"Pela encosta do Líbano, rugindo,
O noto furioso
Passou um dia, arremessando à terra
O cedro mais frondoso;
Assim te sacudiu da morte o sopro
Do carro da vitória,
Quando, ébrio de esperanças, tu sorrias,
Filho caro da glória. [...]
Plante-se a acácia, o símbolo do livre,
Junto às cinzas do forte:
Ele foi rei – e combateu tiranos –
Chorai, chorai-lhe a morte!
Regada pelas lágrimas de um povo,
A planta crescerá;
E à sombra dela a fronte do guerreiro
Plácida pousará.
Essa fronte das balas respeitada,
Agora a traga o pó:
Do valente, do bom, do nosso Amigo
Restam memórias só;
Mas estas, entre nós, com a saudade
Perenes viverão,
Enquanto, à voz de pátria e liberdade.
Ansiar um coração. [...]
Alma gentil, que assim nos hás deixado,
Entregues à alta dor,
Anjo das preces nos serás, perante
O trono do Senhor:
E quando, cá na Terra, o poderoso
As Leis aos pés calcar,
Junto do teu sepulcro irá o opresso
Seus males deplorar [...]
Mas quem ousará à pátria tua e nossa
Curvar nobre cerviz?
Quem roubará ao lusitano povo
Um povo ser feliz?
Ninguém! Por tua glória os teus soldados
Juram livres viver.
Ai do tirano que primeiro ousasse
Do voto escarnecer!
Nesse abraço final, que nos legaste,
Legaste o génio teu:
Aqui – no coração – nós o guardámos;
Teu génio não morreu."

Alexandre Herculano, A Harpa Crente

Tendo resistido ao Cerco do Porto, D. Pedro não terá conseguido vencer o mais implacável dos seus inimigos: a tuberculose. E assim a microbiologia, com toda a sua força, impôs-se à vontade de um povo, encerrando um dos mais vibrantes capítulos da História de Portugal. Talvez seja por isso que ainda sentimos tantas vezes que o país está entregue aos bichos...

As portas do céu

A Cidade da Virgem e as portas do céu, vistas a partir do Porto Oriental, hoje à tarde, entre tempestades.

"Deus disse: «Faça-se a luz». E a luz foi feita. Deus viu que a luz era boa e separou a luz das trevas. [...] Deus disse: «Haja luzeiros no firmamento dos céus, para separar o dia da noite e servirem de sinais, determinando as estações, os dias e os anos; servirão também de luzeiros no firmamento dos céus, para iluminarem a Terra»."
Génesis, Bíblia dos Capuchinhos.

Entre as duas palmeiras do antigo matadouro almadino, actual asilo de quem aguarda o Juízo Final, desvenda-se a seta indicadora do caminho divino, na clarabóia curva e celestial do Paço Episcopal. Aí, casa do embaixador do porteiro do céu, num quarto com vista sobre o rio, um esquecido corcunda aponta, interminavelmente numa folha infinita, as almas que se sucedem na fila sem fim.
A esta hora, dia após dia, as primeiras luzes da cidade acendem-se de par em par, acompanhando a inevitável chegada das trevas e lembrando, ao senhor que as governa, que a Cidade da Virgem é sobretudo feita de luz, ainda que as sombras negras que a enevoam assiduamente lhe inflijam a distinção de um lord inglês.
O ritmo compassado do intenso tráfego sobre as pontes, como se visto em dolente câmara lenta, contrasta com a voragem rápida das portas do céu, que devoram vertiginosamente a cada instante do relógio, a linha infinda de vultos perdidos.
Deste lugar, de onde avisto o ferro, o vidro, a árvore, a pedra e a telha, observo e absorvo as diferentes cores da palete do Porto, última estação de abrigo antes da partida final.
Deste lugar, de onde os plátanos das fontaínhas desvendam, com a queda lenta das folhas no Outono, o arco esbelto da ponte feérica e as luzes trémulas da noite profunda, contemplo, em cada arrepiante final de tarde entre tempestades furiosas, o recto traço imenso de gente à espera, por quem não desespera e ninguém quer esperar.

As notas habituais sobre o que por aí se vai escrevendo:
1 -
Excelente texto (mais um!) de Paulo Araújo, no incontornável Dias com Árvores, sobre a lastimosa situação actual do Campo 24 de Agosto.
2 - Do muito que se vai escrevendo sobre o Rivoli, elejo o
editorial do Público, de Amílcar de Correia, lembrado pelo Tiago B. Ribeiro no seu excelente Kontratempos e o texto do Daniel Oliveira, no polemista Arrastão, como aqueles que melhor atacam o problema. Mas foi o texto de Manuel Jorge Marmelo, no sempre interessante Tatarana (e que havia sido publicado previamente em texto de opinião no Público), que eu gostei mais. O tom irónico e acutilante, absolutamente mordaz, é ilustrado na frase: "a edilidade não tem uma política cultural, logo não faz nenhum sentido que essa mesma edilidade gaste dinheiro com algo que não tem". Mas o texto tem mais e melhor, por isso, vale a pena ler todo.
3 - No fenomenal
Não sei pra mais está a fotografia que eu te disse que queria para o hall azul. Mas quando a tirarmos, quero que façamos parte dela. Essa, JC, está excelente!
4 - Sobre
este assunto, está tudo dito aqui. É escandaloso! Que fique claro que não é o pagamento das SCUTs que está em causa, mas a incoerência do discurso e a falta de critérios claros na escolha de quem paga. Tão só!

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quarta-feira, outubro 18, 2006

1943

A Rua Kreuzbrook, Hamburgo, 27 de Julho de 1943.

Operação Gomorra foi o nome dado à avalanche de ataques aéreos feitos pelos Aliados a Hamburgo, no final de Julho de 1943, que terá originado a morte de mais de 50000 pessoas. A fotografia (tirada daqui) ilustra bem o estado de destruição da cidade causado pela investida.
Podemos portanto afirmar que os dois massacres que ocorreram na noite de ontem (este e este) evocam dois outros momentos marcantes do passado. Um, já referido, em Julho de 1943, no ataque aéreo aliado a Hamburgo. O outro, jamais esquecido, em Novembro de 1999, quando também uma tribo Celta dizimou um grupelho de árabes.
E ainda dizem que a história não se repete...
Dois bons momentos do que por aí se escreve:
1 - A
Campanha - 50 espaços verdes promovida pela Campo Aberto. Com a dedicação e entrega que demonstram a cada passo, poderá estar aqui um movimento que terá um papel importantíssimo no desenvolvimento sustentável da Área Metropolitana do Porto.
2 - São na mouche estas 3 perguntas.

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segunda-feira, outubro 16, 2006

Na linha

A esquina de 31 de Janeiro com Santa Catarina, num turbulento Fevereiro de 1927.
(Fonte: Foto Beleza)

(grito seco, surdo e oco
na noite do silêncio louco,
entre sustos, sonhos e pouco,
com sono, cegueira e soco)

Onde estais todos vós?
Onde estão todos eles?
O que somos todos nós.

1 - Sobre a Revolução de Fevereiro de 1927 ver aqui.
2 - Este post foi inspirado neste fenomenal retrato de trabalho no passado.
3 - Boas-vindas ao
tigre violeta. Já está na secção Close Friend Blogs! Não se esqueçam de passar por lá e descobrir as aventuras de um gatinho encantador e da sua dona babada!

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sexta-feira, outubro 13, 2006

Folhas caídas

A Praça da Corujeira no Porto, há dois anos atrás, quando o Outono atirava as primeiras folhas para o chão.

"Que sobre a flor de seus anos
Soprem tarde os desenganos;
Que em torno os bafeje amor,
Amor da esposa querida,
Prolongando a doce vida
Fruto que suceda à flor
."
Garrett, Almeida (1853) Folhas Caídas.

Está sempre vento quando passeio entre as folhas caídas na Corujeira. Sempre aquele ruído das folhas que se acotovelam no topo dos plátanos à procura de um lugar mais cómodo, entre os raios que emanam do Sol e as gotas frias da chuva que sempre abundam nesta época.
Sempre gostei do Outono. Ainda me recordo de um poema mal escrito que rabisquei numa folha de papel manchada por um café amargo, a que chamei Novembro. Foi há muito tempo atrás, num escuro café de esquina, quando a minha adolescência me obrigava a desaguar desbragado em qualquer pedaço de papel velho.
Nesse tempo, via-me também como coruja. Das noites de insónia no meu quarto de então, de olhos abertos em fúria por algo que não compreendia nem sequer conhecia, às manhãs sonolentas e adormecidas que a minha memória apagou sem fim.
Corujeira não virá de coruja, mas de cruzeiro, numa traição à língua pelo idioma enganador do portuense, que troca consoantes e inventa vogais, na mais terna recriação linguística de que há memória: a pronúncia do Porto.
Cruzeiro das feiras que por aqui havia ou da estrada para o nordeste português que por ali passava em São Roque? Tanto faz, na verdade. A Corujeira recebeu em final de XIX tudo o que era feira de cavalos, de suínos e (espante-se!) até dos moços, afastadas do centro da cidade por questões higiénicas e urbanísticas, valorizando o centro em relação à periferia oriental, de que a Corujeira é o coração, junto à velha estrada para Valongo, Penafiel ou Vila Real.
Os plátanos (e as folhas que lacrimejam das árvores assim que chega o Outono) são a memória viva desse passado, quando o arvoredo oferecia a sombra amiga a quem por ali feirava ou procurava negócio. Por entre o sussurro que perpassa junto aos meus sapatos gastos nos meus passeios outonais na Corujeira, ainda ouço os pregões do passado, as moedas a tilintar na mão das moças e a prosa poética de um qualquer imberbe tonto, à procura do seu caminho para casa.

Notas soltas sobre o que por aí se escreve:
1 - Por
aqui, a catequização continua. Chegou a SRU e de repente até os passarinhos voltaram à Rua das Flores. Haja paciência para tanta cegueira com esse Rio!
2 - Gargalhadas contínuas
neste artigo do jornal inglês "Guardian". Quem havia de dizer que por trás do melhor treinador do mundo estava a genialidade deste consigliere?
3 - O Francisco tem um
grande blog, que leio diariamente. Pena são os exageros esverdeados :-). A tal equipa mascarada de Lagarto tinha 4 leões e... 3 dragões, num jogo em que o azul e branco Paulo Machado não jogou por castigo... a culpa desta euforia é sobretudo do barulho exacerbado que a comunicação social tem feito com os verdes. Depois, acabam por esquecer os outros...
4 - Este
texto está muito certeiro (e já agora este, também sobre o mesmo tema). Como me disse a Mica ainda há pouco, se este concurso tivesse tido lugar há 5 anos atrás, até o Carlos Cruz lá estaria...

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quarta-feira, outubro 11, 2006

Curvo e redondo

A Ponte do Infante e a Serra do Pilar, numa destas últimas noites de Verão.


"Convento de Santo Agostinho da Serra, assim chamado porque está no sítio mais alto da cidade, e da parte meridional do rio Douro. A sua fundação foi no ano de 1540. É de cónegos regulares de Santo Agostinho. A igreja, formada em círculo, imita a de Santa Maria, chamada a Redonda, de Roma. Está ornada de capelas e altares primorosamente asseados. O claustro é igualmente redondo, e todo em cantaria. Os dormitórios e oficinas são à moderna e segundo a arquitectura do bom gosto [...]"
Costa, Padre Agostinho Rebelo da (1789) Descrição Topográfica e Histórica da Cidade do Porto.

Ainda agora, o vento soprava forte incitando a turbulência sonora habitual quando, de repente e inesperadamente, se fez silêncio. Lá fora, a calma parece ter chegado, mas cá dentro, não pude dormir sem escrever.
Entre uma promessa recente a este blog e aquela fotografia, encontrada numa pasta mal indexada do meu pc, descerrei uma cortina entre a minha cidade e a velha Roma, feita pela curva redonda da Igreja quinhentista do mosteiro da Serra do Pilar e a descrição preciosa do Padre Agostinho Rebelo da Costa, do final do século XVIII.
Redonda. Igreja de Santa Maria, a Redonda. Roma. Escreveu o Padre.
Sempre que seguimos o filão das origens, o caminho revela-se incontornavelmente interminável, como o fio de Ariana no labirinto de Minotauro.
A Igreja de Santa Maria, a Redonda, é, tão somente, o célebre Panteão de Roma, que havia sido consagrado à Virgem Maria num (coincidente!) 13 de Maio de 609, pelo Papa Bonifácio IV.
O edifício romano, cuja abertura na cúpula era tida como o "olho de Deus", serviu inicialmente como mansão dos deuses planetários, a partir do século I AC, para, mais tarde, servir de acolhimento ao culto mariano, tendo permanecido até ao século XX como a maior cúpula do mundo com 42 metros e meio de diâmetro.
O belo edifício quinhentista, que em tempos fez parte do território portuense, recebeu a influência morfológica, que delicadamente transpôs para o promontório sobre o rio, de onde se tomam as mais belas perspectivas sobre a cidade Invicta.
Antes que a Lua ultrapasse a escorreita linha do horizonte, parto escorreito em linha recta para o mundo dos sonhos, onde a Lua tem sempre lugar.

P.S. 1 -Uma palavra imensa de agradecimento à Cidade Surpreendente pela simpatia das suas palavras. É bom sentir que aquilo que fizemos não é esquecido, sobretudo por alguém que tem mostrado uma qualidade infinita no que vem fazendo por aqui e por aqui.
P.S. 2 - Aproveitando a embalagem dos blogs tripeiros, queria destacar com grande sublinhado o blog
não sei pra mais, em que a qualidade das imagens é absolutamente extraordinária, revelando, dia após dia, uma sensibilidade e um talento intermináveis.
P.S. 3 - Para finalizar, fica
aqui a perfeição redonda, desde as imagens que revelam o maior jogador de todos os tempos, até à emoção daquelas palavras gritadas, choradas, libertadas por quem acaba de assistir ao maior momento de futebol da história. Da Lua Cheia à Igreja Redonda, entre a bola que circula e o planeta que gira. Do olho de Deus, pela mão de Deus, aos pés de um Deus.

Haverá alguma coisa mais bela que uma curva?

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domingo, outubro 08, 2006

A flor que falta no meu jardim

Na nossa sala, esta noite.

"Pode ser que haja alma melhor, pode ser,
Pode ser que haja alma pior, muito bem.
Mas igual à Maria que eu tenho,
No mundo inteirinho,
Igualzinha não tem."
João Gilberto/Carlos Lyra

Há muitos, muitos anos nasceu uma flor de uma doçura inigualável. Hoje não choro pela sua ausência, sorrio porque tive o privilégio de a ver florir.

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sexta-feira, outubro 06, 2006

Identidade

O Porto visto por nós, numa gélida noite de Outono. Fará amanhã dois anos.


"As duas praças, a que Ramalho Ortigão allude, haviam sido construídas, uma na Boavista, outra na Aguardente [actual Praça do Marquês do Pombal]. Acabaram por não ter ninguem; a tauromachia portuense deu em vasa barris. Mas, passados annos, o touro tornou a passar do prato para o circo. Construiram-se duas novas praças, uma na Boavista, outra na serra do Pilar, em substituição d'aquellas. [...] Mas o povo portuense não tem educação de toureiro, nem condições para o ser. [...] De modo que a tauromachia no Porto é um divertimento emprestado, que mette touros e campinos do sul. Estou em dizer que, apesar das duas praças actuaes, o Porto acha mais sabor ao boi no prato do que ao touro na arena."
Pimentel, Alberto (1895) O Porto na Berlinda.

Alberto Pimentel, a cinco anos do século XX e na sequência de um memorável texto de Ortigão na obra "As praias de Portugal" em que refere que as arenas de touros do Porto "começaram a apodrecer" de vazias, aponta a existência de duas recentes praças de touros no Porto, apesar da curta apetência do portuense para a lide. Não se enganou, se o seu intuito era dar a entender que o negócio não teria futuro. Em poucos anos, as novas praças acabaram também por desaparecer, vergadas à sua solitária existência.
Anos antes, tal como a Mica lembrou, já tinha sido um homem do Porto (ainda que nascido em Bouças, a actual Matosinhos) a despoletar a proibição das corridas de touros, a bem do progresso e da moral da nação. Passos Manuel era (para além de um brilhante orador, de um prestigiado estudante, de um hábil advogado e fervoroso liberal) um homem à frente de seu tempo (seguramente à frente deste tempo também...), para quem "um bom princípio vale mais do que um homem".
Não sei se os valores que a LPDA aponta são verdadeiros para o país inteiro (74% dos portugueses serão contra a tourada), mas não tenho dúvidas que para a minha cidade, o Porto, eles pecam seguramente por escassos. Haverá por aqui quem também as aprecie, mas uma larguíssima maioria dos restante portuenses interrogar-se-à da sanidade mental desses outros.
Na verdade, desconheço de onde virá esta forma de estar que faz com que esta cidade se sinta amiudadamente como corpo estranho ao país que nos é oferecido diariamente nos media (a este propósito, será interessante (re)ler este texto de JPP, de Maio passado, em particular na parte relativa à reabertura do Campo Pequeno). Virá esta forma de estar e sentir da influência da enorme comunidade nórdica, dominantemente inglesa? Da ligação a D. Pedro IV e aos valores do liberalismo? Independentemente da sua raíz, este concentrado de Norte que é o Porto, foz onde desagua o sentir e pensar de todo o setentrionalismo português através da maior bacia hidrográfica da Península, tem em si, desde há muito, os princípios fundamentais que nortearam o espírito da república, da liberdade e do respeito pela Natureza. Foi aqui que se fez a resistência liberal, em forma de cerco, contra um país absolutista (fidalgo, tauromáquico e anacrónico) e onde a primeira e efectiva tentativa de instauração da república em Portugal teve lugar, em Janeiro de 1891.
E, nestas coisas, a identidade e a memória dos lugares tem uma força impressionante, que nenhum regime, revolução ou ditadura pode mudar. Jamais duvidem disto.

Sobre a robustez dos argumentos contra a referida prática, não valerá a pena aqui esgrimi-los, até porque este post vem na sequência do que a Mica, o Bruno e o Tiago (curiosamente, todos indefectíveis portistas) já escreveram sobre o tema e que eu assino por baixo. Apenas acrescento que argumentos como a tradição ou o prazer dos animais pela lide são tão idiotas como o nome do bar da Juventude Popular do Porto: Ditadura bar. Até porque convém lembrar que estes meninos, para além de outras manifestações de pura infantilidade inconsequente, foram os últimos a propor uma "corrida à portuguesa" (o nome é elucidativo! e daí as minhas dúvidas no que se refere aos valores estatísticos apresentados) na cidade invicta, que, como tentei demonstrar, é histórica e epidermicamente contra as touradas.
Sobre este tipo de artistas, já apontava Camilo, em pleno século XIX, que "houve aqui há tempos, no Porto, quem alvitrasse a ideia de devolver a Lisboa o coração de D. Pedro IV. Os romanos autênticos também degeneraram..."
Ainda que pejado de ironia, foi também o mesmo Camilo que escreveu um dia, no romance "A Sereia", que: "de facto, nós os portuenses, em que pês a nossos detractores, já somos europeus há muito mais tempo do que geralmente se cuida. Há quase um século, já os nossos antepassados conheciam a bernarda patriótica e a ópera italiana; duas coisas sem as quais não há europeísmo, nem progressismo possível."

P.S. 1 - Apesar de ontem não ter sido celebrado por aqui, sublinhe-se que, tal como esta fonte, o nosso comboio azul é republicano e concorda em absoluto com o que aqui foi escrito (e que, parecendo que não, tem ligação profunda com o tema principal deste post), assim como se divertiu imenso com esta comparação. Como se vê, para além de republicano, o comboio azul é democrático e dá voz a todo o espectro político. Vê-se que é um comboio do Porto.
P.S. 2 - E, afinal, o que é que tu perguntaste?

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Campeonato Regional de Botânica

Estamos na partida inaugural do campeonato regional de botânica 2006/2007. O resultado ao intervalo é: Miosótis 2-Cravos xarope 3. Os miosótis parecem ter poucos argumentos para contrariar o favoritismo dos cravos xarope, mas já se sabe que os azuis são capazes de feitos extraordinários...
A propósito duma troca de comentários com a Manuela Ramos do Dias com Árvores, fui traçando uma série de analogias entre o futebol e o mundo vegetal, o que me levou a pensar neste campeonato para encontrar a sementinha campeã da germinação cá em casa. A vencedora não terá direito a uma taça, mas ao vaso mais bonito. Como é óbvio, espero que todas as equipas se portem bem em campo, mas torço pelos azuis!

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quarta-feira, outubro 04, 2006

Do Porto para Copenhaga

As gaivotas do Sr. Francisco, como as vimos em Junho, aqui ao lado do nosso terraço

"- E porque é que hei-de voar? - grasnava Ditosa com as asas muito coladas ao corpo.
- Porque és uma gaivota e as gaivotas voam - respondia Sabetudo. -Parece-me terrível, terrível!, não saberes.
- Mas eu não quero voar. Também não quero ser gaivota - discutia Ditosa. Quero ser gato, e os gatos não voam.
Uma tarde aproximou-se da entrada do bazar e teve um desagradável encontro com o chimpanzé.
- Nada de fazer caca por aí, ó passaroco! - guinchou Matias.
- Por que me diz isso, senhor macaco? - perguntou com timidez.
- É a única coisa que os pássaros fazem. Caca. E tu és um pássaro, repetiu o chimpanzé cheio de segurança.
- Pois engana-se. Sou um gato muito limpo [...]
-Pois, pois! O que acontece é que essa pandilha de sacos de pulgas te convenceram que és um deles.
[...] Estão à espera que tu engordes para fazer de ti um grande banquete. Vão comer-te com penas e tudo! -guinchou o chimpanzé.
Nessa tarde os gatos estranharam que a gaivota não viesse a correr para o seu prato favorito.
[...]
-Sentes-te mal? - insistiu Zorbas preocupado.
[...]
Fazendo trejeitos de choro, Ditosa contou-lhe tudo o que Matias lhe havia guinchado. Zorbas lambeu-lhe as lágrimas e de repente deu consigo a miar como nunca fizera:
- Tu és uma gaivota. Nisso o chimpanzé tem razão, mas só nisso. Todos gostamos de ti, Ditosa. [...] És uma gaivota e tens de seguir o teu destino de gaivota. Tens de voar. Quando o conseguires, Ditosa, garanto-te que serás feliz [...]
-Tenho medo de voar - grasnou Ditosa endireitando-se.
- Quando isso acontecer eu estarei contigo - miou Zorbas lambendo-lhe a cabeça. - Prometi isso à tua mãe.
A jovem gaivota e o gato grande, preto e gordo começaram a andar. Ele lambia-lhe a cabeça com ternura e ela cobriu-lhe o dorso com uma das suas asas estendida."

Luis Sepúlveda, 1997, História de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar


Para ti, amiga. Numa altura triste, é sempre preciso encontrar motivos para sorrir - se não for na amizade improvável de uma gaivota e de um gato, que seja na doçura das palavras de um grande escritor, ou num abraço à distância de uma amiga que vai sempre manter-se por perto.

segunda-feira, outubro 02, 2006

Paris

Paris, como nós a vimos, a partir de Montmartre, ao sexto dia de Junho passado.

"Le vieux Paris n'est plus (la forme d'une ville
Change plus vite, hélas, que le coeur d'un mortel)
[...]
Paris Change! mais rien dans ma mélancolie
N'a bougé! palais neufs, échafaudages, blocs
Vieux fauburgs, tout pour moi devient allégorie
Et mes chers souvenirs sont plus lourds que des rocs.
"
Baudelaire, Charles (1861) Les fleurs du mal.

Obra de arte em permanente mutação, a cidade acrescenta, a cada momento, um novo pedaço em si, apresentando-se eternamente como esquiço jamais acabado.
Baudelaire, tal como Hugo, assistiu melancólico às modificações rápidas que em Paris tiveram lugar durante a acção do Barão Georges Haussmann, que transformaram a cidade das luzes no lugar fascinante que hoje conhecemos. A medieval Paris pereceu e com ela um pouco da identidade da velha Lutécia, enlutada pela mudança das velhas torres góticas nas chaminés do progresso.
Uma velha máxima do urbanismo diz que sobra sempre qualquer coisa desse passado. Um nome, uma rua, uma curva no edificado ou, como nas velhas cidades da Suméria, o impressionante tell, gigantesco aterro composto pelos restos das edificações antigas, onde assenta a cidade. Se não remanescer nada fisicamente, subsistirá seguramente no pó de um armário qualquer, sobre um punhado de fotografias antigas ou nos cabelos brancos de uma senhora de idade.
Mesmo que os bulldozers do progresso e dos novos tempos nada deixem do que havia ficado no bolso roto do casaco, restará sempre um odor, um olhar ou um sorriso que expliquem o que então aconteceu, no mais profundo recanto de um sótão escuro.
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P.S. 1 - Já agora, para mais Paris, clique aqui (via Baixa do Porto).
P.S. 2 - Parece estar a começar um projecto muito interessante
aqui, e que, de certa forma, se cruza com este post.

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