Grandes Vinhetas # 11 (adenda de Grandes Vinhetas #10)
Nos comentários ao post anterior, R. Castro Ferreira, do Solas na Mesa, levanta uma questão interessantíssima: se a Brooklyn Bridge figura na fotografia publicada no Crapouillot, de Outubro de 1930, e na vinheta retirada de "A Erupção do Karamako", porque é que ela não figura na de "Tintin na América"? Diz ainda o Ricardo: "Será que encontramos uma falha do mestre ou apenas um capricho de artista?"
A resposta é difícil, muito difícil.
Vamos por partes. Nos mesmos comentários levantei duas hipóteses:
1 - A Brooklyn Bridge, sendo um objecto de leitura dominantemente horizontal (ainda que um ícone da cidade de Nova Iorque), retiraria o impacto vertical que Hergé desejava para a referida vinheta. Ou seja, Hergé desejava claramente simbolizar, através de um último olhar de Tintin, à medida que o barco se afasta em direcção ao continente europeu, a urbanização voraz do capitalismo americano em contraste com a enorme planície oceânica. Irónica e possivelmente de forma intencional, os próprios edifícios parecem um gráfico de barras à boa maneira dos estudos financeiros de uma empresa americana.
2 - Hergé desejava acentuar a insularidade de Manhattan e afirmar o abandono do continente americano, enquanto Tintin iniciava a sua viagem transatlântica. A ponte acabaria por deixar ao leitor a imagem visual de continuidade, inadequada ao propósito referido.
No caso de "As Aventuras de Joana, João e do Macaco Simão", Hergé não tem necessidade de sublinhar estas questões uma vez que, ao contrário do que acontece em "Tintin na América", os Legrand (pais) estão a chegar ao continente americano e os Estados Unidos não são vistos como o inimigo capaz de tudo por dinheiro, mas o lugar onde ansiosamente a sua filha os espera.
Julgo que estas razões serão suficientes para justificar a ausência da ponte na dita vinheta.
Mas, ainda assim, resolvi espreitar a versão original de "A Erupção do Karamako". Esta fazia parte da história "O Raio Misterioso" que foi publicado entre 1937 e 1938, no jornal "Le Petit Vintième". E, curiosamente e para meu espanto, a Brooklyn Bridge também é aí omitida (ainda que o plano pareça cortar o extremo da ilha)!
Terá sido então "falha do mestre", como aventou o Ricardo?
Julgo que nunca saberemos. Mas, de facto, o álbum contém algumas incongruências: os volantes nos automóveis estão do lado direito (Hergé terá assumido que os EUA teriam importado a postura britânica) e as cenas de cowboys no velho oeste parecem pouco consentâneas com a década de 30 do século XX, onde a acção se desenrola. A história viria a ser redesenhada, como praticamente toda a obra, mas neste caso por razões ligadas a um certo espírito colonialista em torno dos afro-americanos, absolutamente claro em todo o livro.
É por isso que, a afirmação que fiz no post anterior, em que defendi que a "cuidada apresentação da realidade, somada a um certo tom melodramático e crítico sobre a opressão sobre os mais fracos, acaba, na minha opinião, por enquadrar Hergé e a sua obra no movimento neo-realista de meados do século XX", deve ser entendida, não nos seus primeiros anos de trabalho no "Le Petit Vingtième", mas no período pós II Guerra Mundial, depois da paragem forçada pelo conflito e pelos ataques que sofreu por suposta (e, ao que tudo indica, falsa) ligação aos nazis (tendo sido detido inclusivamente por 4 ocasiões por grupos anti-nazis, no caótico período do pós-guerra).
P.S. - Infelizmente, não tive oportunidade de colocar o original a preto e branco da vinheta de "Tintin na América", mas fica aqui a promessa de o fazer assim que seja possível.
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Mais uma resposta ao repto que aqui lancei para descreverem o vosso golo de sonho vestidos de azul e branco, a juntar ao João Saraiva, ao Aníbal Letra, ao André Moura e Cunha, ao Ricardo Castro Ferreira e ao Michael Knight:
- a do Guarda Abel, no Pobo do Norte. Um golo perfeito, sempre em movimento e com pronúncia argelina, "no campo de futebol do Carolina Michaëlis, (...) com vista para a Igreja da Ramada Alta". Obrigado, caríssimo!
E, já agora, mais uns para o dito desafio:
- A malta portista do Nortadas, como o Diogo Feyo, o José Gagliardini Graça ou o Francisco Velozo Ferreira.
- O Fitzx, do Cromos da Bola.
- O Ricardo, do Apatia Geral.
Toca a participar!
Etiquetas: Banda Desenhada
3 Carruagens:
adaptando o dito do Pedro Olavo Simões:
vou responder ao desafio "mas a coisa implicará algum tempo e disponibilidade mental, dado que o assunto FCP é demasiado importante..."
:-)
Ainda não tive tempo para por no "papel linear" o desafio.
O mistério da ponte, era um bom título para um livro. A imagem de 1938 está cortada?
Não. Está precisamente como aparece no livro. quando digo plano cortado, estou a colocar-me no lugar de Hergé. Ele é que cortou o extremo da ilha.
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