A tempestade
"Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra."
A Tabacaria (15-01-1928) Álvaro de Campos.
Ficaste a dormir no quarto escuro, enquanto fui ver a tempestade.
Impelido pela memória dos trovões (que foram sempre o meu quebrar das águas profundas!), empurrei-me para o vidro entre as frestas, sabendo que no espelho não podia ser visto.
Pela janela, a luz da penumbra invadiu o quarto e anunciou a turbulência como o velho sino da igreja.
Lá fora, o vento soprava forte e mesmo que os edifícios se mantivessem quedos e em silêncio, havia um tremor e um assobio que perpassava notório, momento após momento, palpitando no meu peito.
Ao longe, a ondulação da árvore e dos seus galhos lembravam-me que ainda estava vivo, encostado à ombreira em madeira, com o meu arfar escrito na janela despida.
Ao primeiro arrepio, enquanto a gata amarela cantava como a sereia e sem que o clarão ribombante tivesse aparecido, apressei-me para o abrigo.
Protegido, contido e imóvel, adormeci a teu lado à medida que o calor aumentava e a pulsação baixava, diminuindo a intensidade do meu estremecimento.
E só por isso chegou a bonança.
E só por isso começa o Outono.
Etiquetas: Porto, Psicanálise
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E não só por isso te amo...
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