sexta-feira, setembro 15, 2006

Rearvorear


The Cure - Catch

Não sei se foram semanas, meses ou se chegou até a um ano inteiro, mas tempo houve, nas profundezas da minha tardo-adolescência, em que não havia dia que não visse este vídeo, graças a uma cassete vhs guardada na confusão incomensurável de um armário escuro da minha antiga casa.
Ainda anda por lá.
Na minha cabeça, moldada na altura por Gatsby e Dorian Gray, o farol discreto e ao longe, no cabo junto ao mar, a varanda romântica sobre a falésia abrupta ou o encaixe meticuloso entre divisões de uma torre antiga, como uma densa teia de aranha ou um enredo do Eça, encaixavam perfeitamente na suavidade tadziana de Smith e no cenário de vegetação luxuriante mediterrânica que desvenda, em brechas entre a folhagem, imagens da casa estival em ruínas.
E foi aí que entendi que um dia, quando o meu dia chegar, eu não quero reencarnar.
Antes as folhas secas outonais que se pisam em correrias loucas atrás de uma bola entre amigos ou de um beijo entre amantes, num parque relvado ou num jardim em terra.
Antes a lenta secura de uma hera que trepou, em tempos que já lá vão, por uma superfície feérica de gradeamento, no corrimão de uma escada em caracol.
Antes o suave musgo verde que escorre muro abaixo, sugando o suor de quem o ergueu um dia e as memórias de quem o sonhou e há muito desapareceu.
Antes as chamas de um pinheiro bravo que arde desvairado sob o devastador Sol de Agosto, debaixo de um céu vermelho de chamas e raiva.
Mas lá no fundo eu sei, que será numa palmeira que rearvorearei, no topo da encosta sobre uma baía redonda, onde o reflexo das estufas em vidro me alimentará o tronco e a aragem salgada do mar me temperará as folhas e os frutos.
E tudo o que verei, na linha sinuosa do horizonte, será azul.

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6 Carruagens:

Anonymous Anónimo said...

i like that!

sexta-feira, setembro 15, 2006 8:57:00 da manhã  
Blogger a d´almeida nunes said...

Quem pode ficar indiferente a um texto como este?
...
Pessoalmente, tenho na minha mente uma singela cena do meu jardim:
tive um cão, que se chamava Tuiki. Veio cá para casa recém-nascido. Passava na televisão uma série em que o personagem principal era um robot, muito simpático, anos 70/80?, tinha esse nome. O meu filho Bruno sugeriu que baptizássemos o cão com o nome do robot da Televisão.
Viveu 17 anos.
Foi enterrado no nosso jardim. Em cima da sua campa plantámos uma Palmeira...lá está ela, vicejante, memória viva duma recordação cheia de saudade!
Um abraço.
antonio dispersamente

sábado, setembro 16, 2006 2:48:00 da tarde  
Blogger JRP said...

Caro António,

A sua história coincide com uma outra que faz parte da minha vida. Também um cão, também chegou novinho, também faleceu (mas com apenas 7 anos), e também ficou connosco no jardim. Não é palmeira, neste caso, mas árvore da borracha.
Memória viva...
Obrigado pelo seu comentário. Muito obrigado.

sábado, setembro 16, 2006 2:57:00 da tarde  
Blogger T D said...

obrigado pelo comentário deixado nas ruas da minha terra.
o blog está aberto aos seus textos e fotos - é um blog em evolução, textos e fotos podem são eventualmente acrescentados.
abraço

sábado, setembro 16, 2006 3:52:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Uma das baladas que marcaram a minha vida, senão "A" balada que ainda a marca, só podia estar associada a um texto deste grande amigo, com o qual me é dado aqui e ali o prazer de partilhar belos momentos da minha existência.

Momentos que necessitam de aumentar em número, que não em qualidade.

sexta-feira, setembro 22, 2006 4:30:00 da tarde  
Blogger JRP said...

Não sobram dúvidas. Talvez até nos encontremos hoje, na nossa casa comum ;-)

sexta-feira, setembro 22, 2006 5:31:00 da tarde  

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