sábado, dezembro 30, 2006

Feliz Ano de 2007

A empedernida Avenida dos Aliados, numa destas noites gélidas de Dezembro.

Just Like Heaven - The Cure


Para todos aqueles que nos têm visitado, votos de um ano de 2007 just like heaven. (E, já agora, para todos os demais também!)

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sexta-feira, dezembro 29, 2006

Grandes Vinhetas # 2

Retirada de "Tintin no Tibete" (1960) Hergé.

Stay (faraway so close) - U2


Quando era miúdo, todos os meus amigos da escola preferiam o Astérix. Eu não. Ainda que a Bd de Goscinny e Uderzo me fascinasse, a minha preferência sempre foi pelas Aventuras do Tintin.
Inicialmente, foi o espírito de aventura aliado à permanente movimentação geográfica, que viria a tornar-se vital nas minhas escolhas futuras. Depois, a intriga política, as insinuações xenófobas, as referências aos Balcãs, temas sempre aliciantes para a teia suburbana de um adolescente. Mais tarde, a questão psicanalítica, com a estranha relação com o sexo feminino e com o universo tipo Lolita, Dorian Gray ou Tadzio, no caso numa versão chinesa: a criança Tchang.
O tempo, a idade e, sobretudo, as leituras de Serge Tisseron, Benoît Peeters ou Michael Farr ajudaram-me a descobrir os mil e um caminhos de Tintin que, de simples jovem aventureiro, se transformou num estratega político, num motor de apoio aos mais ignóbeis regimes totalitários ou membro da resistência contra os mesmos poderes, e, acima de qualquer outro, num expugnar de segredos, pecados e frustrações do seu autor Georges Remi ou, como se auto-intitulava, Hergé.
Entre tantas possíveis escolhas, optei por colocar, por fugir ao regular formato rectangular, uma vinheta oval, por sinal a última do genial e angustiante álbum: "Tintin no Tibete".
Na busca um tanto insana pela interpretação de cada esboço de Hergé, alguns autores prestigiados enveredaram pela exploração do branco da neve, enquanto busca pela pureza; outros pela densidade pelosa do Yeti, em primeiro plano, centrando a análise na masculinidade; outros ainda em diferentes explicações "ovais", ligadas à busca de Hergé pela sua génese e à ligação materna. Para mim, interessado mas não entendido, para além de tudo o mais que o desenho possa representar, a imagem atira-me para a nostalgia de uma partida sem despedida e para a dor, inocente e pura, de ver partir alguém contra a nossa vontade e que para sempre ficará dentro de nós.
Ora é aqui precisamente que entra a canção. Ainda que eu faça parte do enorme grupo de pessoas nascidas na década de 70 que dos U2 só apreciam os álbuns da década de 80, é curioso verficar (ok... para mim é curioso...) que a minha canção preferida da banda irlandesa seja "Stay (faraway so close)", de 1993. De então para cá, o destino dos U2 assemelha-se premonitoriamente ao final da canção que espero estejam a ouvir:

Three o'clock in the morning
It's quiet and there's no one around
Just the bang and the clatter
As an angel runs to ground

Just the bang
And the clatter
As an angel
Hits the ground

P.S. 1 - este post é adaptado de um outro muito semelhante que escrevi em Abril de 2004, no extinto Avenida dos Aliados.
P.S. 2 - E por falar em génese, origem e ovos, espreitem
esta fotografia do Nuno Gonçalves no Porto Daily Photo. Foi ali.

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quarta-feira, dezembro 27, 2006

Natal no Porto

A iluminada rua dos Clérigos na noite do dia 18 deste mês, atrás da resistente Magnólia da Liberdade.

Dead from the waist down - Catatonia


"No Porto celebram-se de tal maneira as festanças ruidosas pelo natalicio do mansissimo Jesus, que parece, n'aquelles estrondos de raiva e de algazarra, estar-se commemorando com dissonancias de reprobos, não o nascimento de Jesus, mas sim o nascimento do diabo. Ó Christo civilisador! envia um raio sereno e luminoso da tua graça áquelles garotos, visto que a policia não se importa."
Camilo Castelo Branco (1880) Ecos Humorísticos do Minho.

Noutros tempos, o Porto enchia-se de música, barulho e algazarra nas noites de Natal, logo após a consoada, em práticas e posturas bem diferentes das testemunhadas pelo POS neste belo post da Fonte das Virtudes, retratando as actuais celebrações natalícias em família e recato, sem preocupação pelos problemas que se alastram fora dos nossos lares (em consonância com o que diz a canção dos Catatonia: we're dead from the waist down / We are sleeping on our feet / We stole the songs from birds in trees / Bought our time on easy street / Now our paths they never meet / We chose to court and flatter greed, ego disposability / I caught a glimpse, and it's not me).
A consoada, há cerca de 150 anos atrás, era normalmente preenchida por bacalhau cozinhado de diferentes formas, acompanhado de grelos com ovos estrelados (e nem tanto a clássica ideia do bacalhau e das batatas cozidas, como incontornáveis). A sobremesa era composta pelas clássicas rabanadas, pelos mexidos e pelos bolos de bolina (trio obrigatório!), para além de queijo, nozes, alperces e ameixas de Elvas, figos do Algarve e passas de Alicante, como tão bem nos documentou Alberto Pimentel, sobre meados de XIX. Era também durante a sobremesa que se fazia uma pequena e humilde troca de presentes. A festa havia sido preparada nessa mesma tarde, com a compra dos víveres e dos presentes na feira de São Bento (actual Praça de Almeida Garrett, defronte da estação) e em ruas como a dos Clérigos (na fotografia acima), a de Santo António (actual de 31 de Janeiro) ou das Flores (sobretudo as prendas em ouro, compradas pela burguesia rica e também pelas/para as mulheres do campo vizinho com o dinheiro que haviam amealhado nas vendas dos produtos hortícolas na feira de Natal).
Após a consoada e as deliciosas guloseimas, às vezes concluídas com uma sessão de bisca ou sueca, as ruas da Invicta enchiam-se de gente, uma vez que, por um lado, famílias inteiras visitavam vizinhos e familiares na cidade para brindar fraternamente pelo Natal, e, por outro, pequenos mas barulhentos grupos de adolescentes cantavam de porta em porta, acompanhados de bombos, violas e ferrinhos, à procura de dinheiro, comida e bebida para aquecer o corpo perante a noite fria (e que tanto aborreciam Camilo!).
A noite terminava geralmente de volta ao lar, onde o vinho quente (vinho fervido com mel e ovos) era servido entre dois dedos de conversa.
Sobre estas saudosas práticas escreveu Garrett um dia, lembrando a sua cidade Natal:

Natal da minha terra, que lembranças
Saudosas e devotas
Tenho das tuas festas tão gulosas
E de teus dias santos
Tão folgados e alegres! Como vinhas
Nos frios de dezembro
De regalados fartes coroado
Aquecer corpo e alma
C'o vinho quente, c'os mexidos ovos,
E farta comezana!

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sexta-feira, dezembro 22, 2006

E os sinos tocam pelo dia de Natal.

A ponte Luís I, vista por nós a partir de Gaia, nas primeiras horas da passada segunda-feira.

Fairytale of New York - The Pogues


Entre as muitas canções de Natal que alimentam o nosso espírito mais sentimental, esta canção dos Pogues, com a participação da poderosa voz de Kirsty MacColl, é aquela que melhor consegue disfarçar, no meio de tanta euforia e ritmo folk, o embaraço que nos assola por todo esse derramar de emoções.
Falo por mim. No meio das compras, da confusão das lojas nacionais e internacionais, de embrulhos coloridos e do arfar quente de gente no meio da rua fria e iluminada, vejo-me incontornavelmente tentado em cair na lamechice da quadra. É assim nos passeios apressados nos gélidos finais de tarde em Cedofeita, Santa Catarina ou Passos Manuel, onde, ao contrário dos idílicos centros comerciais, o mundo real convive bem mais de perto, sem rastreio para pobres e desfavorecidos, que lá, nessas suburbanas caixas enormes de gente, dinheiro e ilusão, não podem entrar.
A canção, do final dos anos 80, fala das misérias de dois imigrantes derrotados pela vida, que pelo Natal, renovam os seus votos de esperança e amor, ainda que conscientes da derrota humilhante que o destino lhes reserva.
A dada altura, os dois emocionados protagonistas (Kirsty MacColl e Shane MacGowan) lamentam tudo o que perderam na vida por causa do seu amor, provavelmente a única vitória de ambos, numa vida de agonia:

I could have been someone
Well so could anyone
You took my dreams from me
When I first found you
I kept them with me babe
I put them with my own
Can't make it all alone
I've built my dreams around you

Consta que, no Natal de 1987 em Inglaterra, quando esta canção perdeu o título de "single mais vendido de Natal" para "You are always on my mind", uma versão dos Pet Shop Boys de um velho hit de Elvis Presley (que, por sua vez, era uma versão do original de Brenda Lee), Shane MacGowan terá dito: "We were beaten by two queens and a drum machine."
Não há nada como o bom espírito de Natal.

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quinta-feira, dezembro 21, 2006

Grandes Vinhetas # 1

Retirada de "O Gorila - As Aventuras de Spirou e Fantásio" (1956) Franquin.

Ernold Same - Blur


Ultimamente, e por razões que se prendem com o volume de trabalho, a proximidade do Natal e uma desinspiração global, o ritmo de posts tem baixado. Talvez por isso, uma vez que simplifica o processo criativo e vai mantendo a chama acesa, inicio a série "Grandes Vinhetas".
De há muito que o mundo da Bd me encanta, em particular o da escola franco-belga. Criadores como Hergé, Franquin ou Goscinny povoaram a minha vida de ambientes distantes, apelativos ou esteticamente encantadores, preencheram a minha imaginação de tramas e mistérios e adicionaram um conjunto interminável de gargalhadas sonoras aos silêncios profundos que a leitura proporciona.
Nunca entendi a desvalorização em torno da Bd, tida como infantil na generalidade ou resumida muitas vezes ao mundo de Astérix e da Marvel, para os mais velhos. Incompreensível em meu entendimento. Quer porque o mundo Marvel sempre me pareceu muito mais infantil que qualquer outro, quer porque Astérix é apenas um, entre muitos outros (e longe de ser o melhor), que se incluem no velho slogan da revista Tintin: "Dos 7 aos 77".
À minha escolha do dia, resolvi adicionar a canção Ernold Same dos Blur, que me parece apropriada ao tom do narrador, no caso o genial Franquin: "Ao fim da tarde, as ruas enchem-se de pessoas indiferentes e melancólicas... caminham curvadas e com o olhar cansado pela rotina..."
A vinheta retrata bem a época em que foi desenhada, 1956, e o ambiente frio, anónimo e distante dominado pelas cores azuladas e escuras, ainda que agitado pelo movimento dos corpos e dos veículos, ao final de mais um dia de rotina, numa qualquer cidade da Europa Ocidental.

Sensações:
1 - O lamento pelo encerramento de um dos 5 melhores blogs de 2006 - o
Perguntar Não Ofende.
2 - A surpresa pelo facto do
João Miranda do Blasfémias ter uma informação diferente daquela que demos no post anterior sobre a próxima leitura do novo Procurador Geral da República.
3 - A saudade graças à evocação de uma velha canção dos Waterboys que, em tempos idos, fazia parte da minha playlist habitual, no
Campaínha Eléctrica.
4 - A alegria por
mais um post genial do Cromos da Bola, neste caso alusivo ao "responsável pelo golpe de estado de 1966 nos Barbados" - o Professor Neca.
5 - A tristeza por não poder ripostar ao
excelente vídeo colocado pelo Pos na sua Fonte das Virtudes. A minha intenção era responder com o primeiro desenho animado a cores feito pela Disney, intitulado "The band Concert", que episodicamente aparecia como queima-tempo entre programas na RTP1 da década de 80, enquanto eu lanchava sentado no velho sofá vermelho da minha avó 'Meralda, na ilha do Padeiro, e aguardava pelos Marretas que passavam ao final da tarde. Malogradamente, a Disney proíbe a sua presença no You Tube...
6 - E, finalmente, a nostalgia pela lembrança do
Aníbal Letra no Fêcêpê: Orgulho e Glória dos relatos do Gomes Amaro que, coincidentemente, antecediam os lanches referidos no post anterior. Outros tempos.

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sexta-feira, dezembro 15, 2006

A gloriosa derrota
(Reescrito)

Os Guindais no Porto, como eu os vi, da Ponte do Infante, anteontem ao final da tarde.

Boxers - Morrissey


Por trás da muralha gótica, que se estica em promontório sobre o rio, a cidade, em equilíbrio precário, parece segura na escarpa dos Guindais às Fontaínhas. E foi sempre assim. Subúrbio negligenciado, de pobres, pescadores e marinheiros, das pequenas viagens pelo Douro à cata da carqueja e da lenha, acartadas pelas senhoras agrestes de outros tempos, para alimentar o forno que produzia o pão da tropa.
Ali se fixaram os mal-aventurados da vida, no espaço que Arnaldo Gama (que agora sobrevive numa estátua precisamente no topo dos Guindais, junto ao Largo Actor Dias) dizia ser: "habitado por quem não tinha que perder", entre a muralha que os tornava marginais e a velha Quinta do Fragoeiro que os esmagava pela opulência dos antigos proprietários – a família Cirne.
Em nenhum outro lugar a derrota é tão gloriosa, porque apesar das contingências geográficas de permanente sobressalto pelas derrocadas frequentes do edificado ou pelo muro separador de granito do século XIV, ninguém tem uma vista tão bela sobre a ponte Luís I e sobre o rio dourado.
Em nenhum outro lugar, depois da dramática queda do antigo elevador dos Guindais na transição do século XIX para o século XX, outro se ergueria tanto tempo depois. O novo funicular, dito dos Guindais, é de todos menos de quem lá habita, uma vez que une a Ribeira à Batalha, sem paragem que beneficie quem vive no bairro que lhe dá o nome.
Tudo restaria para que os Guindais fossem o lado negro da cidade esbelta a ocidente da ponte Luís I, uma espécie de Mr. Hide do Dr. Jekyll Património Mundial. Mas não é assim. A escarpa dos Guindais, como agora se pode ver da ponte do Infante em tardes como aquela, é tão encantadora como o lado fotogénico do Porto, tão graciosa como o vale do Rio da Vila entre a Vitória e a Sé, tão genuína como cada peça mágica do centro histórico que, ruído de inveja, parece até espreitar sobre a muralha, nos picos elevados da torre dos Clérigos e da Sé, como que a vigiar a irmã feia da família que encanta os mais refinados cortejadores.
A dada altura da canção (que por esta altura já devem estar a ouvir se tiverem accionado o leitor no botão acima), Morrissey, compositor que como ninguém ironiza com o lado negro da vida, suspira em tom de alento: "Losing in front of your home town / The crowd call your name / They love you all the same". Entre todo o encanto que a minha cidade possui, é a sua capacidade de perdoar as nossas derrotas que mais me comove.

A ler:
1 - Sobre o tema da semana:
1.1 - Textos que esclarecem precisamente o que eu penso:
a)
Este de Bruno Martins no Avatares de um desejo.
b) Ou
este de Tiago Ribeiro no Kontratempos.
1.2 -
Esta citação de Vasco Pulido Valente no Blasfémias.
1.3 - E agora, uma graçola... Depois de terminado o livro que o Procurador Geral da República anda a ler, Pinto Monteiro dedicar-se-à à leitura deste blog
Denunciar Pedro Abrunhosa.
2 - Sobre Rio, Rivoli e Cultura:
2.1 -
Este texto de João Paulo Sousa no Da Literatura.
2.2 - o
humor corrosivo de João Miranda no Blasfémias.
3 - Duas más notícias:
3.1 - Sobre a incapaz arborização no Porto, no
Dias com Árvores.
3.2 - Sobre o fim de um
excelente programa - Livro Aberto - de Francisco José Viegas. Não falharei o último, como aliás não perdi o equivalente do ano anterior.
4 - Mais uma fabulosa pergunta no
Perguntar Não Ofende.
5 -
Este post de Manuel Jorge Marmelo, alusivo a um dos meus filmes de eleição - Blow Up - no Tatarana.
6 - Este post de A Sexta Coluna, onde finalmente se descobre (era mistério, não era? Ou só eu é que não sabia?)) o nome verdadeiro do incisivo e divertido Maradona (por falar nele... tem falado pouco de futebol, não tem?).

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quinta-feira, dezembro 14, 2006

Ao serviço da prostituição


Maria José Morgado foi colocada ao serviço da única figura feminina que rivaliza em protagonismo com a Virgem Maria neste Natal: Carolina Salgado. A ex-alternadeira foi rapidamente santificada (como de resto já se esperava) a partir do momento em que criticou o inimigo público n.º 1 do país, o meu presidente Jorge Nuno Pinto da Costa. A única razão pela qual ainda não foram postos à venda presépios em que Carolina é a Virgem, é porque não decidiram se S. José será o Barbas ou o Orelhas.
De repente todo o país gira em volta das declarações da senhora, que têm direito a comentário de algumas das mais altas figuras portuguesas. (Infelizmente o facto de estarmos em época de Bolo-Rei terá impossibilitado que o Presidente da República falasse à Nação sobre este importante assunto...)
Ora, como se sabe, esta casta mulher não mente (quem se atreveria a duvidar da palavra de uma representante da mais antiga profissão do Mundo?), e como tal nem vale a pena avançar para julgamento: o presidente do Porto é culpado porque a ex-namorada diz que sim. Que razões teria ela para mentir? OK, além de ser uma forma de ganhar dinheiro fácil? Pronto, e além de ganhar um protagonismo e admiração do grande público como nunca teve? Sim, e além de ser uma forma de se vingar por uma relação que acabou mal para ela? A sério, tirando estes insignificantes motivos, ela não tem nada a ganhar com isto! É puro altruísmo, e, atrevo-me mesmo a dizer, amor à Pátria. Por isso só pode ser verdade!
O parlamento fará horas extraordinárias para aprovar antes do Natal uma lei que permita que a palavra de ex-prostitutas/alternadeiras/strippers seja aceite sempre como prova inequívoca de qualquer tipo de crime. O que prova que o sindicato delas está a trabalhar bem! A nós, biólogos, chateiam-nos sempre com DNAs e essas porcarias.
O Procurador Geral da República já está a ler o livro da senhora (volta, Souto Moura, estás perdoado!), já organizou conferências de imprensa e até já nomeou Maria José Morgado para se tratar deste caso, porque como se sabe, esta senhora não brinca em serviço. Se é para trabalhar ao serviço da ex-prostituta, vamos a isso. Tanto que já dá entrevistas vestida como se vê nesta fotografia...
Señor Zapatero, por favor, no nos quiere anexar?

P.S.: Quero apenas acrescentar que acredito que todas as pessoas nascem iguais e com os mesmos direitos. Acho que Carolina Salgado tem os mesmos direitos que qualquer mulher ou homem em situação semelhante. Acho que por exemplo Catarina Tallon não é mais nem menos que Carolina, e tenho pena que quando acusou o marido de um crime público (e que continua a fazer muitas vítimas no nosso país) não tenha tido o direito a tal atenção por parte da PGR. Acho que Pinto da Costa tem o direito ao bom nome e à presunção de inocência até que se prove a sua culpa, como qualquer outra pessoa acusada de um crime. Acho que se houve tanta pressa em deter para interrogatório uma pessoa como Pinto da Costa, com residência e emprego fixo, também não se devia esperar para deter e interrogar alguém que publicamente assume ter pago para cometer um crime, que não tem emprego e está a morar num hotel (o risco de fuga não será maior?). E acrescento também, que para mim este livro é uma forma de prostituição (daí o título) muito pouco digna, porque uma coisa é vender o próprio corpo do qual cada um tem o direito de dispor, outra é vender a vida privada de outra pessoa.

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segunda-feira, dezembro 11, 2006

Camera Obscura

Patrick Geddes num dos seus bizarros exercícios com as duas metades da sua face.

Hey Lloyd, I'm ready to be heartbroken - Camera Obscura

"Nenhum urbanista admitirá ser um simples construtor de paralelogramas, um simples desenhador de perspectivas, mas terá de trabalhar muito e arduamente antes de estar em condições de expressar, como o faziam os antigos constructores, a alma das nossas cidades."
Patrick Geddes (1915) Cities in Evolution.

Julgo que terá sido através deste post no Canhoto que o vídeo desta canção dos Camera Obscura se popularizou em muitas moradas da blogosfera. A música é sensacional, diga-se, combinando o ritmo e o ambiente de uma melódica canção pop perfeita com a referência a um outro tema de um ícone do princípio de 90 – Lloyd Cole.
Contudo, como verão, o que me leva a escrever é sobretudo a relação entre a nacionalidade e o nome da banda que compôs tão deliciosa melodia com o senhor barbudo que aparece quadruplicado na figura acima.
A banda é escocesa, nada que nos deva surpreender, uma vez que de lá nos chega do melhor que se fez em música nos últimos anos: Belle & Sebastian, Primal Scream, Franz Ferdinand, Delgados ou os revolucionários Jesus and Mary Chain, entre tantas outras.
O nome – Camera Obscura – também não será surpresa para a maioria. O objecto – basicamente uma caixa com um buraco extremamente pequeno por onde penetra a luz – terá sido inventado por volta do século XI por um muçulmano (Ibn Al-Haytham) e foi introduzido na cultura europeia, como auxiliar para a pintura por Della Porta, na transição do século XVI para XVII, tomando a forma de um antepassado da máquina fotográfica.
Mas foi numa mansão do século XVII, em Edimburgo, que a Camera Obscura se tornou popular na Escócia, graças a Maria Theresa Short que, em 1855, lá montou uma exposição de instrumentos científicos, onde se incluía um exemplar da referida peça.
Em 1892, um peculiar biólogo, obcecado por dobrar pequenas tiras de papel, comprou o edifício. Patrick Geddes não só era conhecido como professor excêntrico na Universidade de Dundee e por ter trabalhado nos mais remotos destinos (Palestina ou Índia, por exemplo) na área do planeamento urbano, como por se rodear das mais proeminentes personalidades. Como exemplo entre muitas, encontrava-se Darwin (que terá dito a Geddes quando se conheceram: "I have read several of your biological papers with very great interest, and I have formed, if you will permit me to say so, a high opinion of your abilities..."), de quem Geddes se sentia um continuador; Einstein (que rasgava a Geddes os maiores elogios: "I have heard much praise from my Jewish friends concerning Mr. Geddes’s work and personality. All who know him admire and honor him highly"); ou discípulos como Mumford para quem Geddes era: "one of the truly seminal minds the last century produced: a philosopher whose knowledge and wisdom put him on the level of an Aristotle or a Leibnitz".
Geddes, para além das mais bizarras experiências, de um certo mau-feitio quando contrariado e de falar pelos cotovelos sobre qualquer assunto, era um homem à frente do seu tempo, tendo enunciado alguns dos princípios que só agora o mundo, as cidades e o homem parecem querer introduzir na sua abordagem ao território. Para Geddes, agir sem conhecer histórica, geográfica e socialmente o território era um erro tremendo. Transformar os espaços urbanos sem valorizar o legado arqueológico do crescimento orgânico da cidade, a sua identidade e a sua imagem para os cidadãos, assim como a sua ligação à envolvente regional, era um verdadeiro crime.
Por isso, a velha mansão seiscentista de Edimburgo e o seu recheio (onde se incluía a Camera Obscura) tanto interessaram a Geddes que com eles montou um observatório e um museu da capital escocesa (na altura, uma insalubre, perigosa e suja cidade, consequência da Revolução Industrial).
Para tal desígnio, Geddes montou um percurso no interior da torre da mansão (a Outlook Tower) que deveria começar no seu ponto mais elevado para que se pudesse contemplar a vista sobre a cidade e a sua envolvente. Seguidamente, os visitantes passariam para a Camera Obscura onde, graças às potencialidades do mecanismo, lhes seria oferecida uma perspectiva diferente sobre a mesma realidade. Depois, o visitante era conduzido a uma sala escura onde teria direito a uma cadeira para que pudesse meditar sobre o que havia visto. Posteriormente, o visitante desceria a torre encontrando em cada andar uma exposição que alargava as fronteiras geográficas da anterior. A primeira sobre Edimburgo, a segunda sobre a Escócia, a terceira sobre a Europa e a última sobre o mundo.
O seu conhecimento da biologia e a sua sensibilidade geográfica eram claras. A sequência de contrastantes experiências físicas, como a subida da escadaria em espiral, a vista panorâmica infinita sobre Edimburgo, a passagem para a escuridão da Camera Obscura e para a minúscula sala de meditação, ofereciam ao visitante um conjunto de experiências visuais que dramatizariam a visita e inebriariam o próprio visitante, na descoberta de si e da sua cidade.
Geddes, muito antes de qualquer outro, percebeu a importância da herança patrimonial e da necessidade da compreensão dos mecanismos que no passado haviam construído as cidades genuínas (do desenho orgânico, dos materiais locais e da relação com a região envolvente), mas, acima de tudo, da forma como a observação cuidada do espaço que vivemos nos ajuda a entender o nosso próprio comportamento com o território e com a vida.

A ler/ver por aí:
1 - No
A Baixa do Porto: este pormenor, referido por Cristina Santos, na entrevista de Rui Rio; e este texto de TAF, contestando a defesa intransigente de JPP a Rio.
2 - Dar os parabéns a um
blog portista por esta vitória. Não há dúvida, o FCP ganha em todas as frentes! (farei, noutro dia, um post sobre estes resultados).
3 -
Esta observação no sempre interessante Klepsýdra.
4 -
Esta fotografia sensacional no Porto Daily Photo. Ainda ontem me lamentava à Mica do facto de não ter a máquina comigo naquele momento.
5 -
Este lamento. Mudam-se os tempos...

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A justiça divina

"Aos Carlos chamamos Carlitos, e eu quero falar de um Carlitos que regressa ao Chile depois de vinte anos de ausência. Abandonou o país quando tinha sete anos e realmente não se queria ir embora, não queria entrar para o avião, também não queria ser amável com o senhor do ACNUR, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, que o acompanhava a ele e à mãe, protegendo-os dos olhares de ódio que lhes lançavam os soldados, sobretudo à mãe, sobrevivente de um centro clandestino de torturas chamado Villa Grimaldi.
[..] Antes de entrar no avião, um oficial dos serviços de espionagem militar entregou-lhe o seu primeiro passaporte. Na primeira folha havia uma misteriosa letra "L" e uma inscrição: "Documento válido para todos os países menos para regressar ao Chile." De modo que o Carlitos, aos oito anos, se juntou à fraternidade universal dos exilados.
Era Carlitos um tipo perigoso para a ditadura de Pinochet? Talvez. O padre e director do Colégio Salesiano onde estudava garantiu que nunca ouvira dele discursos subversivos, mas que as suas repetidas ausências às aulas de religião o convertiam num suspeito. Além disso, Carlitos tinha dado provas de firmeza diante dos militares. Quando, em 1973, prenderam o pai, tranquilizou a mãe jurando-lhe que este sairia vivo porque estava sob a protecção de Sandokan. Três anos mais tarde, quando prenderam e fizeram desaparecer a sua mãe, não chorou diante dos soldados. Enfrentou-os avisando-os de que sobre eles cairia todo o poder da Confederação Galáctica
."
Assim escreveu Luis Sepúlveda sobre o filho Carlos, no comovente "O General e o Juiz". Os milhares de chilenos que, como ele, sofreram nas garras de Pinochet, não terão direito a ver este monstro julgado. Agora que a justiça dos homens falhou de forma tão cobarde, resta-nos acreditar na divina. Soube-se pela televisão que um padre já lhe teria dado a extrema-unção, o que só vem mostrar mais uma vez que não há instituições incorruptíveis. Acreditaria o general que comprando o perdão de um qualquer padreco, compraria a entrada no paraíso?
Esperemos agora que com Pinochet não tenha morrido também a vontade de devolver aos chilenos a sua verdadeira liberdade: o direito à verdade e à justiça. Hoje é um bom dia para relembrar (e acreditar em) Salvador Allende:
"Colocado num transe histórico, pagarei com a minha vida a lealdade do povo. E digo-lhes que tenham a certeza de que a semente que entregamos à consciência digna de milhares de chilenos, não poderá ser ceifada em definitivo. [...] Trabalhadores da minha Pátria, tenho fé no Chile e no seu destino. Outros homens hão-de superar este momento cinza e amargo em que a traição pretende impôr-se. Prossigam vocês, sabendo que, bem antes que o previsto, de novo se abrirão as grandes alamedas por onde passará o homem livre, para construir uma sociedade melhor."

Connosco neste lamento estão, entre outros: o Kontratempos de Tiago Ribeiro, a Fonte das Virtudes de Pedro Simões, A Terceira Noite de Rui Bebiano, o Arrastão de Daniel Oliveira, o Causa Nossa de Vital Moreira, o Glória Fácil de João Pedro Henriques, o Dolo Eventual de David Afonso, e o French Kissin' de João Morgado Fernandes.
Já agora, espreitem o excelente
cartoon do sempre genial José Bandeira.

quinta-feira, dezembro 07, 2006

I'm waiting for the man

Imagem retirada de Lund & Canter-Lund (1995), Freshwater Algae


Depois de uma longa ausência da blogosfera, o ritmo de Natal permite-me finalmente tempo para revisitar velhos conhecidos e criar uma nova estação nesta viagem de comboio. Na imagem podem ver as grandes vilãs "vestidas" para a fotografia. Não se deixem iludir pelo aspecto cândido das criaturas cujas colónias podem assumir formas tão variadas e inofensivas como o patinho ou a girafa que vemos acima. Trata-se de uma das cianobactérias mais assustadoras das nossas águas, capaz de dizimar multidões sem mostrar remorsos. Fixem bem este nome: Microcystis. E por amor de Deus, não se metam com ela!
(A música é só porque I'm waiting for my man, ou seja, estou à espera que o JRP acabe o trabalho, e apetece-me dançar...)

quarta-feira, dezembro 06, 2006

Fake plastic trees

O convento da Serra do Pilar visto do Porto, hoje à noite.
Fake Plastic Trees - Radiohead

A árvore artificial que, todas as noites, Gaia oferece ao Porto para o fazer corar de inveja, incendeia as almas daqueles que a procuram. A luz cintilante reflecte a inusual escuridão da igreja dos Clérigos. Pela primeira vez apagada em Dezembro, a torre dos Clérigos envolve-se num manto vermelho de rubor pela ousadia da sua jovem opositora.
Na outra margem, o cone arbóreo desafia as leis da gravidade em dias de temporal, prostrando-se na fronteira da cidade que a ergueu. Dali, enfrenta o Porto de frente, olhos nos olhos. E encara o céu com coragem, de cima para baixo.
Naquele lugar, a árvore mais do que apreciada por quem a pagou (e apagará...), é bastião sólido contra o inimigo do outro lado do rio, e é tão encantadora como cínica, tão reluzente como sombria.
Vista desta perspectiva, a silhueta do horizonte tem, cada vez mais, um ritmo cardíaco acelerado e as peças simbólicas do homem, como em qualquer jogo de xadrez, são cada vez mais desonra que dignidade.
E o mundo vai.

Gostei de ver/ler/ouvir:
1 - Este comentário de Eduardo Pitta ao que eu havia escrito no post anterior. Obrigado pela participação, sobretudo vinda de alguém que leio sempre atentamente.
2 - Este texto no Abrupto (anteriormente publicado no Público). Tenho sempre um certo prazer quando alguém da geração que intitulou a minha de rasca, se apercebe das falhas e omissões da sua. Esse prazer terá seguramente algo de revanchista, por um lado. Por outro, representa também uma certa inveja da minha parte.
3 - Este vídeo dos X-Wife (banda portuense de que faz parte um amigo de longa data. Um abraço, Rui!) no Bisca dos Nove. De há muito que eles merecem o céu.
4 - A boa música que continua a ser apresentada no Daedalus.
5 - Este abaixo-assinado no Futebloguês. Hilariante!
6 - Esta fotografia no Não sei pra mais. Como sempre, fenomenal!
7 - Esta pergunta no Tomar Partido. Não que me importe muito, mas não era para ter sido no dia 1 de Dezembro?

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sexta-feira, dezembro 01, 2006

Comer no Porto

"Lisboa come com pretensões francesas e fantasistas: logo o Porto se afoga, cada vez mais, no chorume da velha cozinha portuguesa, e abraça-se, como a um estandarte, à travessa do cozido"
Eça de Queirós (1872) Uma Campanha Alegre.

Os pontos nos ii. Assim me foi apresentado o post Grandezas & Misérias da Invicta, da Joana Bernardes do A Cozinha da Joana, pelo Eduardo Pitta do Da Literatura.
Parti curioso, até porque o objectivo do post era provar que a "lenda enraizada (...) que a Norte se come sempre bem" era uma mentira.
Nunca fui um grande entendido em gastronomia, ainda que saiba que há quem considere as minhas sugestões. Sou mais atento que sabedor, mais coleccionador que perito, mas ainda assim julgo saber distinguir entre uma boa refeição num lugar apropriado de uma mixórdia num buraco.
A Joana (que não faço ideia quem seja) incorreu, malogradamente, em variados erros de análise.
O primeiro, facilmente perceptível nas primeiras linhas, foi um problema de escala. Confundiu o Norte com o Porto, num primeiro momento, e seguidamente, quatro moradas selectas (como a própria apontou) com as centenas de restaurantes da Invicta. Erros clássicos de quem vem da capital, infelizmente.
Outro tique clássico do provincianismo lisboeta (que ninguém se ofenda com a provocação! Afinal não foi a Sophia de Mello Breyner Andresen que escreveu: “Porque nasci no Porto sei o nome das flores e das árvores e não escapo a um certo bairrismo. Mas escapei ao provincianismo da capital”?) é a eterna necessidade da presença francófona como aval de qualidade (já agora, espreitem este texto do Pacheco Pereira, onde essa questão passa por lá). No Porto, a boa comida não rima com francês e de há muito que os portuenses sabem que é longe dos grandes requintes que se encontra o melhor petisco. Aliás, a este propósito já Alberto Pimentel, no final de XIX, escrevia que: "a burguezia do Porto, se queria perpetrar uma comezana por extravagancia, não ia aos hoteis, mas às tascas".
Se a Joana Bernardes julga que o Porto Novo (restaurante do hotel Sheraton), o Kool (na Casa da Música), o Bull & Bear e o Oporto são a melhor amostra para aquilatar a veracidade da sua demanda inicial, então não faz a mínima ideia do que é o Porto, de qual é a sua forma de ser e, acima de tudo, do que é comer bem na Invicta.
Esta escolha da Joana é desde logo geograficamente marginalizadora. Os quatro locais que visitou são todos a Ocidente da Rotunda da Boavista que, por sua vez, fica a Ocidente do centro administrativo e simbólico do Porto. Quero com isto dizer que a Joana Bernardes quis reduzir a velha lenda do comer bem a Norte a uma amostra de quatro restaurantes que se situam em enorme proximidade geográfica, precisamente na área onde pior se come na cidade do Porto. Esse é o espaço dos restaurantes caros, pedantes, onde tudo se assemelha a uma enorme feira de vaidades, aliás em tudo semelhante à imagem clássica dos restaurantes lisboetas que ajudaram a dar boa fama ao Norte.
Porque, de facto, o Porto quando se travestiza de Lisboa é infinitamente pior que a capital. Não me surpreende portanto que tenha sido precisamente no Oporto, dos quatro o mais genuíno porque menos afrancesado e mais inglês, na velha tradição anglófona do Ocidente portuense, que a Joana terá tido a sua melhor refeição e um "serviço extremamente atencioso", como aliás sublinha. Ainda assim, o Oporto será apenas representativo de um certo Porto: britânico, de classe alta e pretensioso, de quem Ruben A escreveu um dia: "Dá-me impressão de que nunca os ingleses do Porto provaram o bacalhau à Biscainha ou as tripas do Bonjardim". Nos restantes restaurantes selectos, a Joana encontrou um chef (sem e no fim), um tal de Gemelli (que, pelos vistos, até é de Lisboa), couvert (e não entradas), foie gras ou tarte tatin.
Se a Joana quiser saber como vai a restauração no Porto, procure conhecer o Porto genuíno, aquele que fica a Oriente da Rotunda da Boavista, onde o sautée ou o flamboyant são substituídos pela cabeça de pescada, pelo arroz de polvo e pelas tripas.
Já agora, aproveite e convide o Eduardo Pitta, que presumo seja seu conhecido, e peça-lhe para convidar também o seu amigo e conhecedor Francisco José Viegas a introduzi-la na excelente cozinha da Casa Nanda (onde a cozinheira é sobrinha da mítica Mamuda), do Paparico (onde o polvo de entrada é sublime) ou da Cozinha do Manel (em que a vitela é um pedaço de céu).
Isto, se o que deseja é comer bem e não uma cara (não pagará jamais os 55 euros por cabeça que desembolsou) feira de vaidades com sotaque francês.
E, então aí, colocará os pontos nos ii.

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