quarta-feira, dezembro 27, 2006

Natal no Porto

A iluminada rua dos Clérigos na noite do dia 18 deste mês, atrás da resistente Magnólia da Liberdade.

Dead from the waist down - Catatonia


"No Porto celebram-se de tal maneira as festanças ruidosas pelo natalicio do mansissimo Jesus, que parece, n'aquelles estrondos de raiva e de algazarra, estar-se commemorando com dissonancias de reprobos, não o nascimento de Jesus, mas sim o nascimento do diabo. Ó Christo civilisador! envia um raio sereno e luminoso da tua graça áquelles garotos, visto que a policia não se importa."
Camilo Castelo Branco (1880) Ecos Humorísticos do Minho.

Noutros tempos, o Porto enchia-se de música, barulho e algazarra nas noites de Natal, logo após a consoada, em práticas e posturas bem diferentes das testemunhadas pelo POS neste belo post da Fonte das Virtudes, retratando as actuais celebrações natalícias em família e recato, sem preocupação pelos problemas que se alastram fora dos nossos lares (em consonância com o que diz a canção dos Catatonia: we're dead from the waist down / We are sleeping on our feet / We stole the songs from birds in trees / Bought our time on easy street / Now our paths they never meet / We chose to court and flatter greed, ego disposability / I caught a glimpse, and it's not me).
A consoada, há cerca de 150 anos atrás, era normalmente preenchida por bacalhau cozinhado de diferentes formas, acompanhado de grelos com ovos estrelados (e nem tanto a clássica ideia do bacalhau e das batatas cozidas, como incontornáveis). A sobremesa era composta pelas clássicas rabanadas, pelos mexidos e pelos bolos de bolina (trio obrigatório!), para além de queijo, nozes, alperces e ameixas de Elvas, figos do Algarve e passas de Alicante, como tão bem nos documentou Alberto Pimentel, sobre meados de XIX. Era também durante a sobremesa que se fazia uma pequena e humilde troca de presentes. A festa havia sido preparada nessa mesma tarde, com a compra dos víveres e dos presentes na feira de São Bento (actual Praça de Almeida Garrett, defronte da estação) e em ruas como a dos Clérigos (na fotografia acima), a de Santo António (actual de 31 de Janeiro) ou das Flores (sobretudo as prendas em ouro, compradas pela burguesia rica e também pelas/para as mulheres do campo vizinho com o dinheiro que haviam amealhado nas vendas dos produtos hortícolas na feira de Natal).
Após a consoada e as deliciosas guloseimas, às vezes concluídas com uma sessão de bisca ou sueca, as ruas da Invicta enchiam-se de gente, uma vez que, por um lado, famílias inteiras visitavam vizinhos e familiares na cidade para brindar fraternamente pelo Natal, e, por outro, pequenos mas barulhentos grupos de adolescentes cantavam de porta em porta, acompanhados de bombos, violas e ferrinhos, à procura de dinheiro, comida e bebida para aquecer o corpo perante a noite fria (e que tanto aborreciam Camilo!).
A noite terminava geralmente de volta ao lar, onde o vinho quente (vinho fervido com mel e ovos) era servido entre dois dedos de conversa.
Sobre estas saudosas práticas escreveu Garrett um dia, lembrando a sua cidade Natal:

Natal da minha terra, que lembranças
Saudosas e devotas
Tenho das tuas festas tão gulosas
E de teus dias santos
Tão folgados e alegres! Como vinhas
Nos frios de dezembro
De regalados fartes coroado
Aquecer corpo e alma
C'o vinho quente, c'os mexidos ovos,
E farta comezana!

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