Grandes Vinhetas # 2
Quando era miúdo, todos os meus amigos da escola preferiam o Astérix. Eu não. Ainda que a Bd de Goscinny e Uderzo me fascinasse, a minha preferência sempre foi pelas Aventuras do Tintin.
Inicialmente, foi o espírito de aventura aliado à permanente movimentação geográfica, que viria a tornar-se vital nas minhas escolhas futuras. Depois, a intriga política, as insinuações xenófobas, as referências aos Balcãs, temas sempre aliciantes para a teia suburbana de um adolescente. Mais tarde, a questão psicanalítica, com a estranha relação com o sexo feminino e com o universo tipo Lolita, Dorian Gray ou Tadzio, no caso numa versão chinesa: a criança Tchang.
O tempo, a idade e, sobretudo, as leituras de Serge Tisseron, Benoît Peeters ou Michael Farr ajudaram-me a descobrir os mil e um caminhos de Tintin que, de simples jovem aventureiro, se transformou num estratega político, num motor de apoio aos mais ignóbeis regimes totalitários ou membro da resistência contra os mesmos poderes, e, acima de qualquer outro, num expugnar de segredos, pecados e frustrações do seu autor Georges Remi ou, como se auto-intitulava, Hergé.
Entre tantas possíveis escolhas, optei por colocar, por fugir ao regular formato rectangular, uma vinheta oval, por sinal a última do genial e angustiante álbum: "Tintin no Tibete".
Na busca um tanto insana pela interpretação de cada esboço de Hergé, alguns autores prestigiados enveredaram pela exploração do branco da neve, enquanto busca pela pureza; outros pela densidade pelosa do Yeti, em primeiro plano, centrando a análise na masculinidade; outros ainda em diferentes explicações "ovais", ligadas à busca de Hergé pela sua génese e à ligação materna. Para mim, interessado mas não entendido, para além de tudo o mais que o desenho possa representar, a imagem atira-me para a nostalgia de uma partida sem despedida e para a dor, inocente e pura, de ver partir alguém contra a nossa vontade e que para sempre ficará dentro de nós.
Ora é aqui precisamente que entra a canção. Ainda que eu faça parte do enorme grupo de pessoas nascidas na década de 70 que dos U2 só apreciam os álbuns da década de 80, é curioso verficar (ok... para mim é curioso...) que a minha canção preferida da banda irlandesa seja "Stay (faraway so close)", de 1993. De então para cá, o destino dos U2 assemelha-se premonitoriamente ao final da canção que espero estejam a ouvir:
Three o'clock in the morning
It's quiet and there's no one around
Just the bang and the clatter
As an angel runs to ground
Just the bang
And the clatter
As an angel
Hits the ground
P.S. 1 - este post é adaptado de um outro muito semelhante que escrevi em Abril de 2004, no extinto Avenida dos Aliados.
P.S. 2 - E por falar em génese, origem e ovos, espreitem esta fotografia do Nuno Gonçalves no Porto Daily Photo. Foi ali.
Etiquetas: Banda Desenhada, Psicanálise
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