sexta-feira, dezembro 15, 2006

A gloriosa derrota
(Reescrito)

Os Guindais no Porto, como eu os vi, da Ponte do Infante, anteontem ao final da tarde.

Boxers - Morrissey


Por trás da muralha gótica, que se estica em promontório sobre o rio, a cidade, em equilíbrio precário, parece segura na escarpa dos Guindais às Fontaínhas. E foi sempre assim. Subúrbio negligenciado, de pobres, pescadores e marinheiros, das pequenas viagens pelo Douro à cata da carqueja e da lenha, acartadas pelas senhoras agrestes de outros tempos, para alimentar o forno que produzia o pão da tropa.
Ali se fixaram os mal-aventurados da vida, no espaço que Arnaldo Gama (que agora sobrevive numa estátua precisamente no topo dos Guindais, junto ao Largo Actor Dias) dizia ser: "habitado por quem não tinha que perder", entre a muralha que os tornava marginais e a velha Quinta do Fragoeiro que os esmagava pela opulência dos antigos proprietários – a família Cirne.
Em nenhum outro lugar a derrota é tão gloriosa, porque apesar das contingências geográficas de permanente sobressalto pelas derrocadas frequentes do edificado ou pelo muro separador de granito do século XIV, ninguém tem uma vista tão bela sobre a ponte Luís I e sobre o rio dourado.
Em nenhum outro lugar, depois da dramática queda do antigo elevador dos Guindais na transição do século XIX para o século XX, outro se ergueria tanto tempo depois. O novo funicular, dito dos Guindais, é de todos menos de quem lá habita, uma vez que une a Ribeira à Batalha, sem paragem que beneficie quem vive no bairro que lhe dá o nome.
Tudo restaria para que os Guindais fossem o lado negro da cidade esbelta a ocidente da ponte Luís I, uma espécie de Mr. Hide do Dr. Jekyll Património Mundial. Mas não é assim. A escarpa dos Guindais, como agora se pode ver da ponte do Infante em tardes como aquela, é tão encantadora como o lado fotogénico do Porto, tão graciosa como o vale do Rio da Vila entre a Vitória e a Sé, tão genuína como cada peça mágica do centro histórico que, ruído de inveja, parece até espreitar sobre a muralha, nos picos elevados da torre dos Clérigos e da Sé, como que a vigiar a irmã feia da família que encanta os mais refinados cortejadores.
A dada altura da canção (que por esta altura já devem estar a ouvir se tiverem accionado o leitor no botão acima), Morrissey, compositor que como ninguém ironiza com o lado negro da vida, suspira em tom de alento: "Losing in front of your home town / The crowd call your name / They love you all the same". Entre todo o encanto que a minha cidade possui, é a sua capacidade de perdoar as nossas derrotas que mais me comove.

A ler:
1 - Sobre o tema da semana:
1.1 - Textos que esclarecem precisamente o que eu penso:
a)
Este de Bruno Martins no Avatares de um desejo.
b) Ou
este de Tiago Ribeiro no Kontratempos.
1.2 -
Esta citação de Vasco Pulido Valente no Blasfémias.
1.3 - E agora, uma graçola... Depois de terminado o livro que o Procurador Geral da República anda a ler, Pinto Monteiro dedicar-se-à à leitura deste blog
Denunciar Pedro Abrunhosa.
2 - Sobre Rio, Rivoli e Cultura:
2.1 -
Este texto de João Paulo Sousa no Da Literatura.
2.2 - o
humor corrosivo de João Miranda no Blasfémias.
3 - Duas más notícias:
3.1 - Sobre a incapaz arborização no Porto, no
Dias com Árvores.
3.2 - Sobre o fim de um
excelente programa - Livro Aberto - de Francisco José Viegas. Não falharei o último, como aliás não perdi o equivalente do ano anterior.
4 - Mais uma fabulosa pergunta no
Perguntar Não Ofende.
5 -
Este post de Manuel Jorge Marmelo, alusivo a um dos meus filmes de eleição - Blow Up - no Tatarana.
6 - Este post de A Sexta Coluna, onde finalmente se descobre (era mistério, não era? Ou só eu é que não sabia?)) o nome verdadeiro do incisivo e divertido Maradona (por falar nele... tem falado pouco de futebol, não tem?).

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1 Carruagens:

Blogger Luzinha said...

Mais uma vez tenho que dar os parabéns pela foto e pelo texto!

(O que se aprende aqui... ;)

quarta-feira, dezembro 20, 2006 9:39:00 da tarde  

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