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As esculturas abandonam cada vez mais as praças e as ruas para se fecharem nas prisões de arte chamadas museus."
Camillo Sitte (1889) Der Städtebau nach seinen künstlerischen Grundsätzen.
Viena, lá longe, adormecia tranquila à medida que noite acordava, num final de tarde soalheiro do Verão passado.
Apesar de encantadora, Viena já não é a mesma de Sitte, que nela nasceu em 1843, rodeada de muralhas abaluartadas, nem a Vindobona dos romanos, campo fronteiriço de vigia ao outro lado do Danúbio, onde os bárbaros habitavam.
A cidade que se espraia adormecida à minha frente, é agora a Viena do glamour do Graben, antigo fosso romano transformado em avenida pedonal rodeada de edifícios de Wagner e pastelarias deliciosas e artisticamente irrepreensíveis. É a Viena de trechos medievais, com pequenos becos e ruelas junto à Ruprecht kirche, a mais antiga igreja da cidade. É a Viena monumental do gigantesco Ring onde a Ópera, a Karlskirche ou o albino Parlamento encantam pela dimensão extraordinária. É a Viena da Arte Nova, da filigrana do edifício da Secessão, das flores da Casa Majolica, do “Beijo” de Klimt.
Viena soube-se adaptar a tudo o que era novo no horizonte de mudanças constantes. Foi capaz de transformar as suas formas e os seus elementos, as suas qualidades e os seus defeitos, em novas cidades perante diferentes desafios, da velha colónia romana para o dinâmico burgo medieval, da cidade enclausurada atrás de muros à cidade aberta de final de XIX. A cada passo, Viena conseguiu conviver o medievalismo da Stefansdom com a arte nova de Olbricht ou o mecanicismo da roda gigante Riesenrad, alojada no velho parque de caça, parque de diversões do Prater desde o final de Oitocentos.
Sitte queixava-se por isso de boca cheia, assustado com o monumentalismo exacerbado e sem escala da RingStrasse, onde vastos espaços vazios alternavam com edifícios de dimensão extraordinária, e nostálgico com a aparente perda espiritual da Viena medieval, dos pequenos espaços fechados, íntimos e da arquitectura dos detalhes. Tal obsessão, levada a foros de loucura no final da vida, ofereceu-lhe o epíteto de estúpido por parte do modernista Corbusier. Esse apelo pelo passado, justificado ou exagerado, foi redescoberto muito mais tarde pela Europa, já na década de 60, quando as soluções progressistas se revelaram falíveis ou, nalguns casos, catastróficas.
Hoje, Viena é uma cidade completa, onde as diferentes épocas se tocam, cruzam e respeitam, como na Hoher Markt, antigo fórum romano, tribunal e feira medieval, decorada por fonte barroca e balizada por edifícios do princípio do século XX. Função e forma convivem em harmonia, acrescentando valor com a mistura.
Sitte queixava-se da perda de identidade da sua cidade. Da forma como as praças tinham perdido os seus mercados, de como as fontes perdiam a sua função de abastecimento e eram apenas peças decorativas, de como as estátuas eram enclausuradas nos museus, perdendo o seu papel exterior de ornamentação e de símbolo.
O que diria Sitte se visitasse o Porto dos dias de hoje?
O Porto que escondeu o seu comércio e os seus mercados em caixas concentradas na periferia, quando a memória das feiras da cidade central se esvaiu há muito nas areias do tempo. Numa altura em que se multiplicam as feiras medievais em tudo o que é lugar (até em cidades que nunca as tiveram!), não deveria o Porto activar as que persistem ou reerguer as que desapareceram, trazendo animação e alegria para o centro?
O Porto arrumou as suas inúmeras fontes num jardim que ninguém visita porque o horário é obsceno (das 9 às 5 da tarde e só durante a semana) e porque não há a mínima divulgação da qualidade inequívoca do espaço. Não deveria o
jardim dos SMAS ser valorizado e dinamizado, abrindo as suas portas ao público em horário alargado e ao fim-de-semana?
A arte urbana no Porto é um tremendo incómodo como se pode ver pela estátua do Porto que permanece de castigo, com as costas voltadas para a cidade; ou com a estátua de D. Pedro IV que quiseram virar ao contrário; ou com os cruzeiros da cidade, enclausurados nos cemitérios, degradando-se dia a dia.
Há medida que as voltas da roda de Viena contam infindáveis dias, as palavras de Camillo Sitte soam cada vez mais verdadeiras: “
É só estudando as obras dos nossos antecessores que poderemos reformar a organização banal das nossas cidades."