Orgulho suburbano (Music and passion were always the fashion)
Ultimamente, sempre que percorro as estações pré definidas do meu auto rádio à procura de música, acabo por me deixar ficar na que emitir uma sonoridade revivalista. Alguns diriam, iludindo-se, que a música de hoje não presta. Julgo que é nestas alturas que nos apercebemos que já não somos da geração reinante no que diz respeito a inovação, e que o tempo que vai passando sobre nós formatou e bloqueou a nossa capacidade de rasgar novas fronteiras.
Tem sido assim comigo, incontornavelmente. Quando não uso o mp3 ou uma velhinha cassete, sempre que deslizo pelas frequências, acabo por me ficar pelos 89.5 da Rádio Clube Português, que, não viajando apenas pelas décadas de 70 e 80, acaba por satisfazer parcialmente alguns (poucos, é certo!) dos meus anseios musicais.
Num destes dias, acabei por ouvir deliciado a esta Copacabana (que espero estejam também a ouvir), cantada por um canastrão de primeira - Barry Manilow - ídolo do final de 70.
A canção fala-nos de uma tal de Lola, ex-dançarina de uma boîte (Copacabana) em Havana, que havia perdido o seu amor, Tony (empregado do bar), numa rixa com Ricco (cliente) por sua causa, há 30 anos atrás, levando-a à demência decadente, abandonada e ultrapassada. A canção termina com Lola, 3 décadas depois, ainda com as mesmas roupas (“Still in the dress she used to wear, faded feathers in her hair”) e no mesmo exacto lugar (que se havia transformado numa discoteca em plena década de 70) bebendo até cair e lamentando-se por um dia se ter apaixonado.
Se, há alguns anos atrás, alguém me dissesse que esta Copacabana faria parte de uma galeria de canções escolhidas por mim, diria que, das duas uma, ou essa pessoa havia ensandecido ou, pura e simplesmente, queria gozar comigo. Velhos preconceitos que fui aprendendo a perder, assim que a idade foi passando, felizmente para mim de forma bem mais ligeira e simpática do que havia acontecido com a pobre Lola.
Esta canção, para além de um misto de James Bond com Bossa Nova, é também a definição perfeita de muitas férias que passei na minha infância. Não tanto no poema (Ok... chamar poema à letra deste Copacabana é capaz de ser forte, uma vez que parece um texto do Carlos Castro) mas mais no ambiente de cabaré e discoteca contínuo, para além de ter sido a banda sonora de muitas noites passadas na quente Benidorm da primeira metade da década de 80.
Para quem desconhece o fenómeno, a noite de Benidorm era, há 25 anos atrás, uma discoteca a céu aberto, com os bares de portas abertas e música nas alturas, cheia de pubs com cantores travestis e cabarés de fácil entrada. Mesmo para mim, a viver a minha meninice, tudo aquilo não passava despercebido nos passeios nocturnos junto à praia, num prolongamento da imensa excitação das manhãs e tardes passadas nas areias do Levante, onde francesas (na verdade, eram de todas as nacionalidades, mas, não sei porquê, retenho as francesas) se passeavam, numa imensa maioria, em topless. Não admira portanto que, tal como Woody Allen em Annie Hall, eu também não tenha tido um período de latência...
Mas as férias de Verão em Benidorm não eram só uma espécie de revista erótica gratuita, ou porta de entrada na Europa de quem vinha de um país ainda cinzento e perdido pós-revolução. Eram também os mergulhos na água quente mediterrânica, a inclinada ilha dos pavões (como nós lhe chamávamos), as piscinas e a paella na varanda, a vista do miradouro do castelo para a praia, os princípios de tarde sonolentos no Hotel Copacabana (ou em qualquer outro), os vigésimos andares e a vista infinita sobre o mar mediterrâneo. É curioso perceber que, o amor que hoje tenho pelo meu Atlântico, devo-o ao Mediterrâneo longínquo da minha infância, pelo qual chorava quando de lá partíamos no velho Citroën do meu pai, no último dia de férias.
A partir de meados de 80 escolhemos outros destinos (ou melhor, escolheram os meus pais). Passamos a viajar para Norte, fazendo o chamado turismo cultural pelas cidades europeias, de onde curiosamente devo muito do meu desempenho profissional actual. Benidorm vulgarizou-se enquanto destino para os portugueses, transformando-se então no lugar habitual de férias do típico suburbano portuense (do qual faço orgulhosamente parte), num processo que já havia começado, ainda que lentamente, na primeira metade de 80 (e que haveria de decorar nos principios de 90 as traseiras de tantos e tantos automóveis com a silhueta da Penelope, um popular disco/bar na marginal de Benidorm).
A partir de certa altura, todos os amigos que me rodeavam, os que lá tinham ido ou os que só haviam ouvido falar, passaram a tratar Benidorm como o último dos lugares a visitar, porque cheio de portugueses e como exemplo de caos urbanístico e ambiental, assemelhando a baía da minha infância, ao recanto mais assustador de Fânzeres.
Passados pouco mais de vinte anos da minha última visita, tenho sobre Benidorm a mesma ilusão que Lola tinha sobre o seu passado, ainda de plumas na cabeça e vestido decotado. A encantadora baía de Benidorm onde aprendi a amar o mar.
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Sou fã:
- Da série Arrumar a gaveta", no Linear P.
- Dos cartoons de José Bandeira, como este do post Coisas do Baú.
- Da série Tertúlia Literária, no Corta-fitas.
- Deste post de T. Galvão, no Diário. RIP PAF (não resisti...).
Etiquetas: Outros Lugares, Psicanálise
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Muito obrigado e um abraço.
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