Grandes Vinhetas # 3
Volto a utilizar a última vinheta de um álbum como uma das minhas preferidas. E a escolha foi difícil... em As Jóias da Castafiore os desenhos de Hergé são quase todos simbólicos: o olhar de Haddock pelo espelho, em direcção à cantora italiana; a colocação dos ciganos nos jardins do palácio; a investigação de Tintin no sótão de Moulinsart; ou as lágrimas generalizadas no fim do visionamento da televisão do professor Girassol (lágrimas essas que determinados autores acreditam serem ainda consequência da última vinheta do álbum anterior, Tintin no Tibete, que curiosamente abordei no último post da série Grandes Vinhetas).
A vinheta é, tal como a anterior, pouco ortodoxa. Não é oval, ainda que as referências ao ovo sejam permanentes ao longo do livro (afinal, a própria jóia é uma gema de esmeralda oval), mas rectangularmente rodeada por pássaros.
Um mocho, uma pêga e um papagaio juntos. A presença dos pássaros na obra de Hergé é transversal. Não há qualquer álbum em que eles não apareçam. Na verdade, os pássaros aparecem, por vezes, como contorno fundamental da trama: os irmãos Pardal, no Segredo do Licorne, ou o Pelicano do Ceptro de Ottokar, entre muitos outros. Estes três, contudo, já não são novidade para os leitores das Aventuras de Tintin. Papagaios são presença constante ao longo da série, evocando quase sempre os antepassados de Haddock, através da repetição dos impropérios: "raios e trovões" ou "com mil milhões de macacos" (não será o Yeti, do já referido último post, também um grande macaco?). A pêga já havia aparecido no álbum Ilha Negra onde, à imagem do As Jóias da Castafiore, pratica um roubo que ajuda ao desenvolvimento da história... curiosamente a ária, que Castafiore vai interpretar a Milão, dá pelo nome de "La Gazza Ladra". E finalmente o mocho, que habita no sótão, local privilegiado de memórias, mistérios e segredos.
São três pássaros como eram três Licornes que deviam estar "unydos". Mas foi no quarto degrau que Haddock tropeçou, como era a quarta a dinastia Ottokar.
Para mim, longe de conjecturar qualquer lógica mais complexa enquanto criança, esta vinheta representava sempre uma boa gargalhada e, em dias mais cinzentos, o valor da amizade e da lealdade.
A canção (ultra-melódica) também fala sobre isto. De como aqueles (os poucos...) que nos acompanham eternamente e nos auxiliam nos nossos tombos incontornáveis são aqueles que mais amamos, pelas pequenas doçuras que a rotina da vida nos oferece em conjunto.
Obrigado, Tintin e Nestor, por me terem sempre amparado nas quedas.
You tell me I'm a real man
And try to look impressed
Not very convincing
But you know I love it
Then we watch TV
Until we fall asleep
Not very exciting
But it's you and me
And we'll always be together
You and me - always - and forever
You and me - always - and forever
Queria acrescentar apenas que:
1 - Este post também é adaptado de um outro muito semelhante que escrevi em Maio de 2004, no extinto Avenida dos Aliados.
2 - Vale a pena espreitar estas fotografias muito interessantes da série Sombras, no Linear P.
3 - Descobri na blogosfera alguém que me aturou durante umas horas ao longo de vários dias, há alguns anos atrás, no E as Fadas... também se enganam no Caminho?
4 - Este post na Rua da Judiaria, sobre a vida do Capitão Barros Bastos, no Porto da primeira metade do século passado, é mais um excelente contributo histórico daquela morada.
Etiquetas: Banda Desenhada
2 Carruagens:
O meu muito obrigado Sr. Provedor.
Interessante foi ver a figura triste de três pobres coitados a tentar recriar a alegoria da caverna num fundo de loja. Um abraço.
Não tem que agradecer.
As fotografias estão muito boas, em particular a que "linkei".
Abraço,
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.
<< Home