quarta-feira, agosto 22, 2007

Porto - Corunha
(Dia Um)

A foz do rio Minho junto ao espanhol Monte de Santa Tecla, como eu o vi em Agosto de 2003.

Pulp - My Lighthouse

Acordei tarde para o dia da partida e, por isso, atrasei o meu passo. A lógica clássica de partir cedo, para atravessar o quanto antes os Pirinéus, cedo se esvaneceu. Felizmente.
Ao princípio da tarde embarquei em Campanhã (de olhos postos no Dragão) rumo a norte, de onde umas ameaçadoras nuvens escurecidas surgiam, e aí me lembrei das palavras nostálgicas de José Gomes Ferreira quando partiu num barco para a Noruega: "braços de pedras magoadas, / murmúrio de dedos, / lenços de maresia, / Cabedelo, / a Barra / com um Castelo que só dispara tiros de ondas / Mar aberto / com a terra cada vez mais distante e fluida (...)".
É o defeito de se partir por terra sem sentir o embalo das águas e a canção das gaivotas, como naquela música dos Pulp. Mas em breve, a oscilação ferroviária e a cantiga ritmada da máquina sobre os carris fizeram-me esquecer o mar e as ondas com quem tinha encontro marcado para breve.
Até lá, saboreei a Linha do Minho e a paisagem mesclada, feita de verde rasgado por casas, subúrbios, nós e linhas, e sobretudo gente que se apinha em cada estação, em cada vez menor intensidade à medida que se viaja para norte, e em razão inversamente proporcional aos primeiros arrepios de frio deste suave Verão.
O percurso fez-se até Nine, a freguesia rainha dos ferroviários, e deslizou depois para a costa em direcção a Viana do Castelo. O imperdoável atraso matinal destroçou a hipótese de paragem na bela Viana do Lima e o meu apetite pelas bolas de Berlim do Natário. Ainda espreito vertente acima para a Santa Luzia e inspiro o ar do estuário pela frincha da janela, mas o comboio parte depois do apito no seu caminho setentrional.
O mar era então parceiro de viagem do lado esquerdo da paisagem enquanto do outro, como em Afife, a arriba morta decora a parede rude e agreste do cenário. Antes de atravessarmos o Côa, sobre a velha ponte de ferro, vi, ao final da tarde, a esplendorosa foz do Rio Minho aos pés do Monte de Santa Tecla, abraçando o Atlântico e oferecendo-lhe o forte Ínsua, pequena pérola à ilharga da costa.
Não resisti e saí na estação de Caminha para vingar a guloseima vianense com as tartes de morango da Docelândia, enquanto passeio rua abaixo para ver novamente a foz e o monte, irmãos unidos dos dois lados da fronteira, que arquitectam um lugar uno e único, junto à cidade do extremo noroeste de Portugal.
Os muros de Caminha são fortes e resistentes, mas esta pacifica-se com a noitinha que se aproxima, enquanto a Praça do Terreiro se enche de gente junto ao chafariz para uma bebida antes do jantar.
A tarte escandalosamente doce tirou-me o apetite e num acesso de loucura saltei novamente para o comboio em direcção à Corunha. Ainda pretendia por lá jantar, por muito tarde que chegasse, por isso tinha que me apressar. Já não haveria tempo para Vigo ou Pontevedra, mas ainda pude, pela janela imensa do comboio, apreciar o encanto do vale do Minho entre as fortalezas rígidas de Tuy e Valença ou as torres da mítica catedral de Santiago, iluminadas ao longe, indicando o lugar mágico para onde as gentes se encaminham.
Os últimos quilómetros, feitos com a janela fechada numa carruagem praticamente vazia e sob uma luz soturnamente incandescente, deram pouco alento à jornada que a animada noite da Corunha veio espevitar. Mas foi Sol de pouca dura. Mal cheguei procurei o Gallego, tasco de referência na Calle de la Franja, junto ao imponente Ayuntamento na Plaza Maria Pita, onde umas tapas de qualidade, do Pulpo a la feria à tortilla espanhola, e um café no Vecchio remataram um dia cansativo, provavelmente por ter sido o primeiro. Apesar da animação jovial das estreitas ruas do centro da cidade, acabei por me dirigir escorreito para o hotel junto à praia, de onde vi a baía de Órzan e, ao longe, a torre de Hércules a piscar para mim. O mais antigo e o mais belo farol da Ibéria indicava-me o caminho da cama, enquanto assobiava novamente a canção de Pulp. O meu farol.

A praia de Riazor na Corunha, dominada pela Torre de Hércules, 2 de Julho de 2005.

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4 Carruagens:

Blogger Sophia Paixão said...

Sempre belos e diferentes os olhares que encontro aqui captados pela tua objectiva.

beijo*

quarta-feira, agosto 22, 2007 9:03:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Lindo e saboroso tambem :-) Ai aquelas tartes fantasticas da Docelandia... Tivesse eu ca' disso...
A forma como descreves os lugares da-lhes ainda mais beleza. Mal posso esperar pela proxima viagem :-) Tum-tum Tum-tum

quarta-feira, agosto 22, 2007 10:26:00 da tarde  
Blogger Repórter M said...

Uau, quem te arranjou um hotel com uma vista dessas? És um homem de sorte! ;)

quinta-feira, agosto 23, 2007 5:03:00 da tarde  
Blogger PCS said...

Desculpa o atraso..."o meu cilindro explodiu"...
Ficava bem era a tua lighthouse, mas esta também é boa. Excelente escolha.
aaaaah a Docelândia! Ainda este fim-de-semana lá estive:)
Porque não paraste em Pontevedra! Podias escutar o hino da Galiza em gaita-de-foles, mas pronto, tinha de ser pelo polvo! Sempre a correr pelo polvo à galega:)
“animação jovial” eheheheheh era só gaj...humhumhum desculpa Mica:)
A palhaçada do dia: fomos quase expulsos por gritar nove...nove...nove...aos ouvidos do revisor da CP, quando passávamos na freguesia rainha dos ferroviários:)

quinta-feira, agosto 23, 2007 11:53:00 da tarde  

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