O Douro bebe as cores da cidade
A Bucólica Margem
Sento-me então a olhar o rio,
os pensamentos formam cardumes
que contra a corrente se insurgem
mas as águas são inexoráveis;
olhando-as, a superfície cintila,
propaga-se como se fossem notas
de um piano na garupa de um cavalo
que se dirige para o mar.
O Douro bebe as cores da cidade,
sobre elas eu abro o coração
em que te encontras, as colinas
emolduram as raízes que à terra
nos ligam. Para os meus olhos
é momento de pausa: as coisas
que interrogo não resistem à maré,
não dão respostas; perdem-se no mar
como tudo o que a memória não reteve.
Mas este rio
já foi longamente folheado, nele
escrevemos
o romance que nos deu uma casa,
nos cortou o cabelo, nos afastou
das rugas, nos entregou o azul
(tecido, nuvem, divã, janela...),
o voo das artérias, lugar do corpo,
portas que amanhecem, espelho
onde fazemos fluir a vida. Acordes
da guitarra que forja o horizonte,
que guia o sinuoso voo das gaivotas
e acaricia a pele que rasga atalhos
no interior dos sonhos. Estarei
vivo enquanto assim me guardar
teu coração. E no seu lucilar,
esta água imita o fogo
que devora sombras e escombros,
libertando a asa que no sangue
respira. A foz está próxima,
mas o horizonte é o teu olhar.
No leitor do carro, a guitarra flexível
sublinha o que divago; os acordes
disparam,
encontram-me na trajectória do seu alvo.
Egito Gonçalves (2000) Relâmpago
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Notas:
1 - A canção acima apresentada é a minha primeira contribuição para o Fabuloso Passatempo de Verão b-site/melofobia, lançado pelo Daniel. Seguramente, a escolha está longe de ser brilhante, mas combina um certo ambiente de mistério e inquietude com um refrão orelhudo e explosivo, em que a palavra untouchable poderia servir de mote para um "007 - O Homem Intocável", ou qualquer coisa do género. A canção necessitaria seguramente de uma nova produção e até uns retoques na "roupagem", mas, ainda assim, mantém uma certa vibração épica que ficaria bem em qualquer trailer dinâmico de um clássico de Bond.
Os autores da canção pertencem a uma banda britpop da transição de século que já não existe - os Rialto - e que lançaram apenas dois álbuns (Rialto e Night on Earth) com temas nunca muito longe deste e sempre menos populares. Segundo li, já não sei bem onde, um dos seus quatro elementos, Johnny Bull, é conhecido como "O Touro" no Algarve, lugar onde vive actualmente, passando os dias a compor para artistas pouco conhecidos e a surfar em pranchas de long board. Boa onda.
Etiquetas: Porto
3 Carruagens:
Lindíssimo!
Parabéns pelo blog*
Ainda bem que hoje tive oportunidade de vir espreitar o seu blog. Consolei-me com a beleza das suas últimas fotos. Beleza e técnica.
Excelente foto. O Porto tem sorte em ter um blog deste calibre.
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