segunda-feira, setembro 11, 2006

Exéquias

Railroad train, Edward Hopper, 1908

"«Irei!», decidiu.
Descia a Piccadilly, naquele momento, e entrou na Cook para deixar tudo resolvido. Aguardou uns momentos. O homem que o empregado atendia também ia para a Riviera. Dir-se-ia que toda a gente ia para a Riviera. Pela primeira vez na vida, faria o que «toda a gente fazia». (...)
Katherine sentou-se à janela, encantada com a paisagem banhada de sol. As palmeiras, o azul profundo do mar e o amarelo brilhante das mimosas tinham todo o encanto da novidade para uma mulher que durante catorze anos conhecera apenas os tristes Invernos da Inglaterra.
Quando chegaram a Cannes apeou-se e passeou no cais. (...) Pouco depois o condutor veio informá-la de que dali a minutos o comboio chegaria a Nice. (...)
Katherine acompanhou o indivíduo que a chamara e verificou, surpreendida, que a conduzia para um desvio no qual se encontrava uma carruagem do Comboio Azul.
" - in Christie, Agatha (1928) O Mistério do Comboio Azul.

A pequena roseira que sobrevive lá fora, na pequena varanda áurea, ostenta as primeiras folhas amareladas de Setembro. Como um comboio interminável que voa à saída de um túnel, o Verão arrisca-se a terminar sem que o tenha sentido a escorrer por entre o cálcio dos meus ossos ou a seiva das minhas artérias. Em câmara lenta, deixo o meu pescoço rodar sobre o ombro e espreito o tempo estival que passou veloz sem que o tivesse sequer agarrado. Temo que, pela primeira vez desde há muito, a nostalgia do Verão se instale, antes mesmo que a ânsia do Inverno se acomode.
Bem lá no fundo, tudo se resume aos carris e ao movimento lancinante que desliza sobre eles. Velocidade impossível de observação e de tacto, de odores e de paladares entre o azul interminável do céu e do mar, e as pinceladas ocres e tonalidades matizadas, até enevoadas, da areia, da neblina e do ocaso.
Sem tempo nem memória para vestir luto pelo Estio, preparo a minha alcofa para os tempos nebulosos que aí vêm, enquanto confundo a melancolia doce de uma estação de caminho-de-ferro com o paradigma programático de uma qualquer estação do ano.

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3 Carruagens:

Blogger Repórter M said...

Que saudades tinha de te ler a mente!

segunda-feira, setembro 11, 2006 2:24:00 da manhã  
Blogger Unknown said...

Off-topic:
Reparamos no link aí ao lado e vamos linkar para aqui também.
:)

terça-feira, setembro 12, 2006 12:52:00 da tarde  
Blogger Unknown said...

Já está!
:)

terça-feira, setembro 12, 2006 9:59:00 da tarde  

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