segunda-feira, novembro 20, 2006

Duração do mundo

O antigo Palácio de Cristal na primeira metade do século XX.

Por norma, edifícios, fontes, estátuas ou qualquer outro tipo de estruturas físicas da cidade do passado que tenham sido demolidas ao longo dos tempos (quer por necessidades contextuais da urbe, quer por pura insensibilidade para com as mesmas), são tendencialmente idealizadas no futuro.
Usualmente, o lamento estende-se a toda uma franja de curiosos pelo passado da cidade, que olvidam os aspectos negativos das referidas construções e salientam a sua importância simbólica, estética ou, menos habitualmente, funcional para o cidadão, em particular para o da cidade actual.
No Porto, o lote nostálgico inclui, entre outros exemplos, o Arco da Vandoma, a antiga Câmara Municipal, a Ponte Pênsil, o Convento de São Bento de Avé-Maria, e, acima de qualquer outro, o Palácio de Cristal, para sempre idolatrado por quem nele nunca passeou ou por quem dele se recorda vagamente de quando era pequeno.
As razões para essas demolições são sempre vistas como pequenas, incompreensíveis ou de pura barbárie, pelo que, tal como aconteceu com a romana Coluna de Trajano ("que ela permaneça intacta por tanto tempo quanto a duração do mundo", dizia um édito do senado romano, em 1162), muitos desejariam que sobre elas se houvesse decretado em defesa da sua existência eterna.
Na preservação da memória idílica dessas estruturas, para além da revolta pelo seu desaparecimento prematuro, são geralmente esquecidas as opiniões negativas que sobre elas existiram, mesmo se feitas por individualidades com crédito, num processo precisamente inverso ao que se verifica quando as construções são preservadas. O melhor exemplo disto será, durante muito tempo, o da Torre Eiffel e a lembrança das críticas que foram feitas por inúmeros intelectuais parisienses de final de XIX, como Maupassant ou Zola ("A Torre Eiffel (...) é a desonra de Paris, não tenham dúvidas. (...) não se pode imaginar nada de mais feio para o olhar de um velho civilizado!").
Para que conste, e ainda que não fosse tripeiro de facto, mas do Porto por paixão, Camilo Castelo Branco, mesmo preso na Relação, escrevia jucosamente sobre o “circo-bazar-teatro-restaurante-ginástico-pirotécnico, chamado em linguagem enxacoca Palácio de Cristal” aquando da sua construção, no jornal Lisboeta “Revolução de Setembro”:
Um Palácio de Cristal no Porto já não é mera utopia de cristalinas imaginações. O dinheiro é a alavanca de Arquimedes […]. Dai-me dinheiro e eu cristalizarei a Cidade Eterna. É que o Porto está riquíssimo. Os capitais não sabem já onde hão-de frutificar cinco por cento. E os capitalistas começam a descrer de Cristo e da sua palavra, porque este dissera: «dar-vos-ei cento por um» e as coisas correm de modo que daqui a pouco será muito feliz quem tirar um por cento. O que eu não sei é se Jesus fez esta promessa a uns cavalheiros que ele encontrou uma vez dentro do templo."
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A ler:
A fina ironia da vida repetida, no
Avatares de um desejo.
O habitual genial humor negro (adjectivo paradoxal...), no
Estado Civil.
Texto e imagens revigorantes, no
Não Sei Pra Mais.
E as saudades, em sintonia com o post acima, de algo que já partiu e não volta. Por estranho que possa parecer,
João, é da chuva que eu sinto falta...

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2 Carruagens:

Blogger Repórter M said...

Ainda te tenho que mostrar o antigo hotel cidnay. Penso que já existia quando foi demolido, mas não tenho memória dele. Sabes onde era?

terça-feira, novembro 28, 2006 3:03:00 da tarde  
Blogger JRP said...

Era no largo onde mora a Paula, junto à fabulosa confeitaria São Bento, não era? Ao fundo de quem vem da câmara...

terça-feira, novembro 28, 2006 5:59:00 da tarde  

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