sexta-feira, agosto 31, 2007

Ainda Paris
(Dia Cinco)

A Place des Vosges, Paris, 8 de Junho de 2006.

Desireless - Voyage Voyage

Uma das evidências que levo desta vida é a frequência com que o divino entra em contacto com o terreno.
Conheço muitos episódios, que me foram contados na primeira pessoa, sobre contactos com parentes já desaparecidos, segredos revelados por vidência, actos milagrosos atribuídos a um qualquer Deus.
Lamentavelmente, a mim, o metafísico jamais se revelou. O mais perto que esteve de o fazer foi há uns anos atrás quando, por razões que a lógica Descartiana desconhece, o meu carro em funcionamento fechou automaticamente as cinco portas, deixando-me no exterior com as calças na mão. E aqui não uso a expressão "calças na mão" metaforicamente, mas no sentido mais lato da mesma. De calças na mão porque me tinha esquecido do cinto em casa e usava um número muito superior ao que me servia na altura, consequência de um súbito emagrecimento e de uma preguiça total em comprar roupa nova. Um aborrecimento tamanho que me fez amaldiçoar esse dia até à eternidade.
De resto, e apesar de diversas tentativas de contacto extra-sensorial, são anos de vida terrena sem experiências paranormais. Por uma vez que fosse, gostaria que o além me desse um sinal da sua existência, como uma visão do futuro, um milagre maravilhoso ou, pela primeira vez, uma boa crónica da Leonor Pinhão.
Recordo-me, por exemplo, de como chegava mais cedo ao colégio religioso da minha infância para ir rezar para a capela (para gáudio das irmãs de hábito cinzento! Mal elas imaginavam...), pedindo em surdina ao Todo-Poderoso para a minha freira-professora estar doente e, por isso, não dar aulas. Nunca aconteceu.
Ou das várias vezes que fui convidado por amigos (ou em que me fiz forçadamente de conviva) para participar numas das muitas sessões espíritas que faziam. Tentei afincadamente, mas em vão. O copo nunca deslizou no famoso jogo em que um espírito responde acertadamente às perguntas mais indiscretas que se lhe possam fazer. Sempre que participei, não só o copo não se mexeu, como fui sempre acusado de ser o culpado pelo insucesso do conjunto. "Mau karma" - apontou, um dia, uma parceira de mesa que alegava que a mãe, numa ocasião há alguns anos atrás, se havia transformado em cobra e regressado ao estado normal em menos de uma hora.
Pois bem. Na noite passada, depois de ter resolvido a incómoda inundação da cozinha do apartamento, o divino parece ter cozinhado algo nos meus sonhos.
Não me recordo de tudo porque passei enquanto dormia, mas, numa conjuntura que não posso precisar, o Criador regressava à Terra, anunciando o último dos dias. A dada altura, vi ao longe uma colina de onde Cristo, numa túnica de serapilheira, comandava com o seu ar tranquilo e pacífico uma multidão, também ela serena, que o seguia. Entre episódios vários, mais ou menos desconexos e sem sentido, encontrei o inesperado Miguel, velho amigo de escola com quem há muito não falava, que naquele sonho era dono de um bizarro estabelecimento comercial numa sub-cave, onde os clientes assavam, em mini-espetos sobre as mesas de madeira escura, lagartixas esverdeadas.
Acordei um pouco zonzo, mas ainda assim infinitamente melhor que ontem, sem saber que significado atribuir aquele sonho. Era cedo e decidi aproveitar o dia. O último em Paris.
Durante a manhã, atravessei o bairro judeu e deixei-me envolver pelo quadrado da Place des Vosges, a primeira Place Royal. No meio, envolto na moldura dos edifícios que a balizam, está Luís XIII a pedido de Richelieu, uma das poucas estátuas que sobreviveram à Revolução. Terá sido esta praça, que encerra em si uma harmonia desconcertante entre a ritmo simétrico das fachadas e a cadência da arcada que a sustenta, que influenciou a construção de todas as outras que lhe sucederam nos séculos do Absolutismo, desde a Place de la Bourse em Bordéus, à Praça do Comércio em Lisboa, ou ao projecto nunca acabado da Praça da Ribeira do Porto, ainda que sem rei.

Sob o Arco do Triunfo, Paris, 8 de Junho de 2006.

Regressei ao metro e saí junto à Notre-Dame. Caminhei para Norte, passando pelo Hotel de Ville e por uma famosa casa de fotografias antigas, rumo ao Centro Georges Pompidou. Ali chegado, lembrei-me do bistrot Dame Tartine, um óptimo restaurante onde em tempos almocei com a Mika. Resolvi repetir a óptima experiência, até porque a hora tardia aconselhava um bom almoço.
Fiquei na esplanada junto à surrealista Fontaine Stravinski e comi uma belíssima omelete de fiambre e cogumelos, acompanhada por uma rica salada verde. Enquanto almoçava, perdia o meu olhar entre as piruetas dos diversos objectos artísticos da fonte e a arquitectura desconcertante do Centro. Por momentos, veio-me à memória a destruição de Paris por uma enorme vaga de água, a que eu havia assistido num intenso pesadelo na manhã de ontem, do topo da estranha estrutura que ali estava à minha frente. Entretanto, o reflexo forte do Sol num vidro do edifício fez-me fechar os olhos e levar as mãos à face. Assim fiquei uns instantes breves, até que abruptamente sinto um enorme impacto líquido nas minhas costas, consequência de uma queda da simpática empregada de mesa do restaurante que me encharcou quase por completo com água.
Não fiquei com as calças na mão (agora sim, é uma metáfora). Deixei que uma toalha aconchegante do restaurante e o calor abafado que abraçava Paris fizessem o seu trabalho de secagem, enquanto sorria e me deliciava com um fondant de chocolate, acompanhado de gelado de baunilha. Et voilá.
Restabelecido, comecei a minha tarde com um enorme passeio. Abandonei a esplanada em direcção à Ponte Neuf e espreitei a triangular Place Dauphine junto ao Sena. Fiz a promenade ombro a ombro com o Louvre e segui para Oriente através das Tulherias. Da Concórdia tomei o caminho para o Cours de La Reine e contemplei a beleza dourada da ponte Alexandre III em equilíbrio perfeito com o Grand e o Petit Palais, seus vizinhos. Atravessei a ponte e apreciei a imponência dos Invalides, antes de apanhar o metro para a Place de l'Etoile. Aí, exausto, sentei-me junto a um dos pilares do arco e matei saudades de casa através de uma inscrição na parede interior do arco, lembrando as invasões francesas ao Porto.
Rodopiei depois em torno do arco, contando as avenidas que dele partiam e gozando o facto de estar no centro de um eixo de há muito traçado, que partia do coração do Louvre, cruzava as Tulherias, a Concórdia, os Campos Elísios, a Place de l'Etoile e tendia para o infinito via La Defense, no arco gigantesco lá ao fundo, etapa recente da história urbana do homem.
O cansaço havia-se apoderado de mim. Vagueei perdido pelas proximidades em busca de um local agradável para beber umas águas e descansar um pouco. Numa perpendicular à Boulevard Kléber, reparei num pequeno letreiro com letras garrafais "Happy Hour - Bistrot Fin du Monde". Entre as cinco e meia e as sete e meia, o café era gratuito, desde que se fizesse algum consumo. Lá entrei no "Fim do mundo", atraído mais pela economia do lugar do que pelo encanto da decoração. Ainda assim, tinha aquele charme parisiense, dos sofás revestidos com tecidos sóbrios mas vivos, em que tudo parece sempre no seu lugar, sem um papel no chão ou uma beata fora do cinzeiro. Talvez por tudo isso ou porque o café ficava um pouco abaixo do nível do solo, tropecei no degrau de entrada e acabei um pouco atrapalhado junto de uma estátua em pau-preto de Cristo que jazia encostado a um espelho. Sentei-me e espreitei o menu onde os preços não escandalizavam mais que um dos pratos, tido como especialidade da casa: camarão em casca de crocodilo. Chamei o empregado e quando ia pedir uma Evian e o respectivo café, reparo que uma cara familiar me cumprimentava. Miguel! Esse mesmo com quem eu havia sonhado estava ali à minha frente, a cerca de 2000 quilómetros do lugar onde nos tínhamos conhecido, há mais de vinte anos atrás.
Jantamos em Montparnasse e fomos ver a Torre Eiffel à noite a partir do Palais du Chaillot, onde imitei a conhecida pose de Hitler de mãos firmes pousadas sobre o miradouro do palácio para a torre. O Miguel havia imigrado para Paris há dois anos, retomando o negócio de um tio entretanto falecido - o "Fin du Monde".
Acabamos a noite no Gibus, um bar-disco de música Indie junto à Place de la Republique, em que recordamos o Voyage Voyage, dos Desireless, que ambos ouvíamos quando ainda éramos colegas na escola secundária.
O dia não terminou tarde, até porque tinha que preparar a mala. Despedi-me do Miguel, que me havia dado boleia ao apartamento, e confessei-lhe o sonho que havia tido. Ele ficou muito surpreendido e disse-me que, por sua vez, tinha sonhado com bolas de Berlim e suspensórios. O Além tem estranhas formas de se fazer comunicar... Mensagem recebida: O meu destino para os próximos dias será a Alemanha. Ou isso, ou o Miguel precisa de ajuda psiquiátrica.
Antes de adormecer, escrevo finalmente estas últimas palavras:
Amanhã, Paris será passado.

A torre Eiffel, Paris, 8 de Junho de 2006.


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Nota:
O Ricardo, do Solas na Mesa, faz uma bela adenda a esta viagem. Vale a pena passar por lá!

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terça-feira, agosto 28, 2007

Paris - Paris ou Grandes Vinhetas # 22
(Dia Quatro)

A basílica do Sacré-Coeur, como nós a vimos a 6 de Junho de 2006.

Air - Ce matin la

Juro. Não terei pregado olho mais de meia hora durante a noite passada.
Apesar de ter chegado exausto, a cama alheia, o miar intenso e lascivo dos felinos nas traseiras e o mal-estar generalizado que irradiava do meu estômago e dos meus intestinos mantiveram-me afastado da noite tranquila e bem passada que tanto precisava. Por isso, esta manhã levantei-me exausto para um dia que pretendia longo e cheio, e sem café decente para tomar.
Cambaleei no curto espaço entre o quarto e a sala e sentei-me no sofá vermelho do apartamento. Liguei a televisão e deixei-me ali ficar, pálido, apático e enjoado, a deslizar sem sentido os meus dedos pelo comando, com os olhos semicerrados quase em agonia.
Intempestivamente, um rapaz de fato bem aprumado surgia nos ecrãs da TF1 revelando, em tom dramático, que algo de muito estranho se passava na cidade. A notícia prendeu-me a atenção porque alguns dos locais que desejava visitar surgiam no pequeno ecrã tomados por pequenas inundações que enchiam os seus pavimentos de água. O tom do apresentador era claramente assustado e percebi, no meio de alguma confusão, que o mesmo fenómeno estaria a acontecer em Nova Iorque, Londres e mais uma dezena de cidades pelo mundo fora sem que se compreendesse a origem de tanta água.
Assustado, saio tenso para a rua e esta encontrava-se com uma fina e bizarra camada de água. A gente que por mim passava parecia um pouco surpreendida, mas não excitada ou exaltada, como eu próprio me sentia, aparentando, no meio do incómodo, uma tranquilidade que no meu país seria impossível. De súbito, no meio desta perturbadora calma, eis que alguém mais assustado ventila a notícia que em Jakarta, na Indonésia, ondas gigantes haviam invadido a cidade, causando milhares de mortos.
Tomado por uma ansiedade imensa, desato a correr pela rua fora, sem ideia nem destino, procurando algo que desse sentido a tudo o que estava a acontecer. Ao fundo, surgia o Centro Georges Pompidou onde entrei sem que ninguém me tivesse pedido bilhete. Assim que subia desenfreadamente a manga exterior do edifício para atingir rapidamente o seu topo, ouvi o primeiro estrondo. Aos céus de Paris subia um repuxo enorme que partia dali perto. Fechei os olhos por momentos e continuei a subir. Ao chegar ao topo, vi uma enorme bola de água arrasar a cidade a partir de oeste, perdendo fulgor à medida que de mim se aproximava. Sem tempo para pensar, corri no sentido contrário tentando em vão descortinar a saída. Depois de dois ou três estrondos violentos, a massa de água atingiu o edifício, onde penetrou sem piedade nem misericórdia pelos tubos, salas e corredores. Prostrado, inerte e encharcado, jazia tombado junto às escadas rolantes que continuavam a funcionar.

Retiradas de "Paris Submerso"(2004) Morvan/Munuera.


A baba corria como musgo pelo meu queixo. A noite terrivelmente mal dormida havia-me proporcionado um angustiante pesadelo. À minha frente, o inspector Gadget disparatava na televisão e o comando cinzento da televisão havia escorregado das minhas mãos para o chão.
Levantei-me para beber água e, ainda tonto e nervoso, decidi sair para espairecer um pouco. Fiz bem. Respirei fundo e senti a vida perpassar nos plátanos da avenida, por entre a multidão que se movimentava, veloz e decidida, rumo a qualquer lugar.
E eu? Eu deixei-me ir. Vi montras de cafés decoradas por meia cortina com varão dourado (que eu espreitava com o pudor de um turista), esplanadas cheias de gente a oferecer sorrisos a quem passava, árvores e povo na rua e carros na estrada, uns a irem e outros a virem, tal como na vida.
Acabei o passeio em casa, recomposto e revigorado, para cumprir a promessa de ontem: fazer o meu almoço europeu, longe dos molhos do terrorismo gastronómico do próximo, médio ou longínquo oriente.
Decidi então fazer uma receita que, num final de tarde chuvoso na República Checa, uma italiana de Parma nos havia ensinado – Pasta aglio, olio e gamberetti.
Ora tomem nota: levei um tacho velho ao lume com dois copos de água. Juntei sal, pimenta e cebolinho, orégãos e salsa fresca, assim como um fiozinho de azeite. Quando a água estava a ferver, coloquei a embalagem de camarão congelado. Deixei três minutos a cozer e coei a água, deixando de parte o marisco.
Adicionei ao caldo mais dois copos de água a ferver, e, aí, cozi a massa fresca que havia comprado no dia anterior aos indianos. Depois de a ter escorrido, preparei uma sertã que encontrei no armário com uma fina de camada de azeite, muito (mas mesmo muito) alho esmigalhado, uma folha de louro e uma malagueta. Quando o alho ficou lourinho, retirei a folha de louro e a malagueta e despejei a massa escorrida sobre o azeite. Envolvi muito bem para que se desse uma óptima absorção e finalmente juntei o camarão. Nova mexida e salsa fresca picadinha por cima. Não terá esta sofisticação, é certo, mas soube-me pela vida, podem crer.
Depois de equilibrado o meu sofrido aparelho digestivo, apanhei o metro para a Rua do Odeon, canal privilegiado de acesso aos jardins do Luxemburgo e primeira rua de Paris a ter passeios no século XVIII (como é que me fui lembrar desta…)
Nos jardins deixei-me levar pela leve brisa que por ali corria, e sentei-me numa das muitas esplanadas a apreciar a bonomia do lugar e uma água com gás. Depois de espreitar o lago central, fui dar uma boa gargalhada (para não chorar!) defronte da Fonte de Médicis, a tal que terá inspirado Siza Vieira e Souto Moura para o tanque dos meus Aliados.

A fonte de Médicis, nos jardins do Luxemburgo em Paris, 9 de Junho de 2006.


Ainda que Montmartre já não seja a de Degas ou Picasso, há por ali um bom gosto e um ambiente de tela indescritível, desde a paisagem sublime sobre Paris (que já aqui havíamos fotografado) à textura e plasticidade no encaixe sucessivo dos pequenos edifícios da arquitectura local. Por ali passeei sem demoras e arrebatado até à hora do jantar. Quando o Porto-Sporting começou, já eu estava sentado num restaurante português no West End parisiense. Sobre o jogo, pouco há a dizer. Paulo Assunção é assim uma espécie de semi-deus negro e Lucho um arquitecto de calibre superior a qualquer desenhador de charcos para avenidas empedradas.
No caminho para casa, ainda parei para ver o e-mail num soturno net-café e descobri mais esta pérola que alimentou o sabor doce da vitória de há pouco.
Já a lua ia alta quando rodei a chave do apartamento para me ir deitar. Depois de debelada uma pequena inundação, fruto de uma torneira aberta na cozinha enquanto tomava banho, adormeci a assobiar: “Só eu sei porque não fico em casa”.

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sexta-feira, agosto 24, 2007

Toulouse - Paris ou Grandes Vinhetas # 21
(Dia Três)

A basílica de Saint Sernin em Toulouse, como eu a vi a 10 de Março de 2005.

The Cure - How beautiful you are

Edgar Quinet, Raspail, Denfert Rochereau... O meu corpo oscila ligeiramente, de um lado para o outro, no túnel interminável do metro parisiense. Faltam quatro estações para sair. Dali, Porte d'Italie, são menos de 200 metros para o apartamento que um antigo colega de carteira, ausente em Portugal, me emprestou na Boulevard Auriol: sala, kitchenet, quarto com pequeno WC e vista para as traseiras do quarteirão, onde uma dezena de gatos se estendem durante o dia.
Ontem em Toulouse, entre a Place St Pierre e o hotel ainda decidi dar mais um passeio. Vício antigo de espremer as últimas forças de um dia de viagem, num "best of" do lugar onde estou. Assim o fiz. Da esplanada junto ao Garonne subi pela Rue Valade e desemboquei junto à Basílica St. Sernin. Dizem-me ser um dos exemplares mais interessantes da arquitectura românica no mundo. A torre octogonal prende a atenção de quem passa, mas todo o conjunto é arrebatador.
Esgueirei-me depois pela Rue du Taur, onde o tijolo vermelho, marca indelével da cidade, se impõe de forma verdadeiramente definitiva, sobretudo ao olhar de alguém mais habituado à patine do granito e à moda recente das cores múltiplas do centro histórico.
Ao fundo da rua, na entrada do antigo fórum romano de Tolosa, actual Place du Capitole, um velho sujo e vadio alimentava uma dezena de pombos perdidos, enquanto uns homens vestidos de verde fosforescente e acompanhados por um veículo de limpeza urbana as afugentavam com gestos de desprezo. Num ápice, temendo ser eu também tomado por um pedaço de gente acabada, tomei o caminho do hotel e ao longe ouvia o velho a resmungar: "Ils sont l'âme. Ils sont seuls!".
Também eu, sozinho num mundo encarnado e soturno, acelerei o passo ao som do piar furioso dos pássaros e do eco dos meus sapatos no lajeado. Porém, antes da primeira esquina, deixei o meu pescoço deslizar sobre os ombros e revivi o clássico cinematográfico de Hitchcock. Os homens batiam em retirada perante a fúria da passarada, que os bicavam enraivecidamente, enquanto o velho, só e abandonado, sorria enfim. (Há quem veja nesta péssima alegoria uma antevisão para o clássico do próximo Domingo à noite.)
Na manhã seguinte, apanhei o comboio para Paris. A segurança de ter lugar afiançado para dormir, numa cidade onde já havia estado antes, permitiu-me prolongar o sono matinal e tomar o transporte depois de um croissant e um cafe au lait. Olé.
Os campos de cultivo intensamente trabalhados, em tons de verde e amarelo, sucederam-se na paisagem que entrava pela janela do comboio, desta feita cheio e com uma comodidade a que um português suburbano não está habituado. Aproveitei para coscuvilhar tudo, do depósito de bagagens ao WC, da cabine-restaurante à traseira do última carruagem, onde a porta das traseiras fazia lembrar os velhos westerns.
Cheguei à gare de Montparnasse a meio da tarde e a fome aconselhou-me a comer. Maldita hora! A arquitectura sombria da estação combinada com uma sande de atum com maionese fora do prazo esgotaram o meu bom humor e esventraram o meu estômago.
Dali, parti um pouco enjoado e muito enervado com a comida francesa, tomando o metro que me levaria ao apartamento. Instalei-me e passei um bom bocado no WC. Inspirado pelo ambiente de toillet, lembrei-me do que Black Adder pensava dos franceses: "eating frogs, cruelty to geese and urinating in the street". Decidi então que a próxima refeição seria feita por mim no apartamento, não fosse o diabo (ou o Zidane…) tecê-las!
Mais aliviado, abandonei o edifício e fui até à Place de la Concorde. Se era para me vingar dos franciús, então aquela praça é o sítio certo. Só os franceses se dariam a este luxo... cortar a cabeça a um rei no local onde havia estado uma estátua de seu avô. Hoje em dia, o obelisco de Luxor, assim alinhado com a torre Eiffel e os candeeiros dourados, faz a praça se parecer mais com uma orgia fálica da antiguidade clássica grega do que com uma herança preciosa do urbanismo barroco. Depois espantam-se dos epítetos menos macios que os demais povos europeus atribuem aos franceses e ao tom encardido e “alegre” da sua linguagem.

A place de la Concorde, vista por nós a 9 de Junho de 2006.


Como vêem, a indigestão havia mesmo destruído a minha habitual boa disposição, apesar de já não sentir dores na barriga.
Pior... subi a Rue Royale à procura de umas macaronettes numa pastelaria famosa que cria fila ao fim de tarde em busca dos pequenos biscoitos coloridos. Seguidamente, entrei na neoclássica Madeleine e apreciei o trabalho de Haussman pela Boulevard fora, não sem antes visitar as mostardas da Maille e a diversidade da Fauchon, lojas gourmet incontornavelmente obrigatórias em Paris, até porque estavam as duas tão próximas de mim e da igreja albina de onde saía.
Chegado à Opera de Garnier, e uma vez que o Sol já não constava dos céus de Paris, apanhei o metro para St Germain-des-Prés, onde as esplanadas se enchem ao longo da Avenida e as galerias de arte inauguram as exposições. Pelo meio, entre parfum e glamour, algum canapé acabaria por me cair no colo.
Ainda que a passada tenha sido ligeira, cheguei ao Quartier Latin a horas difíceis de arranjar mesa, por entre os inúmeros restaurantes gregos da Rue de la Huchette, de pratos brancos partidos na entrada e música alta saída dos dedos dos tocadores de bouzoukis.
Esquecido da maionese de Montparnasse, alinhei numa Pita turca com molho de iogurte que definitivamente acabou comigo. Como dizia um antigo anúncio televisivo (ou um adágio popular, sei lá!): “O barato sai caro”.
Antes de apanhar este metro de onde vos escrevo, passei por um pequeno supermercado de indianos onde comprei massa, alho, azeite e marisco com o qual conto amanhã fazer o almoço. Já chega de colocar o destino do meu aparelho digestivo em terroristas gastronómicos.
Antes ainda de sair na estação Porte d'Italie, olho para o turbante do árabe a meu lado e vem-me à ideia uma vinheta memorável de Astérix sobre a Place de la Concorde do princípio da tarde.
Afinal, mesmo sem estômago, ainda vou para casa com um sorriso nos lábios. Ah! Vingança...

Retirado de "Astérix e Cleópatra" (1965) Uderzo/Goscinny.
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Da série "Como comentar diários de viagem" (o que, diga-se, vem muito a propósito dos últimos posts):
Este reparo do lourenço do Complexidade e Contradição, a propósito do soberbo diário de férias do Vasco Barreto, aliás, na continuação desta tirada do Maradona.

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quinta-feira, agosto 23, 2007

Corunha - Toulouse
(Dia Dois)

A ponte St Pierre e a Cúpula de Lagrave, como eu as vi em Toulouse a 11 de Março de 2005.

The Delays - Faded Seaside Glamour

À minha frente, o rio Garonne patina suavemente para o Atlântico. Escrevo de uma esplanada em fim de festa na nocturna Place de St. Pierre, a última a adormecer em Toulouse.
Hoje o dia começou cedo, ao contrário da distracção e preguiça de ontem. Saltei da cama para saltar para um refrescante banho no mar, numa sucessão de pulos e piruetas que terminaram à hora marcada na estação principal da Corunha. Isto depois de espreitar de perto a Torre de Hércules e de deslizar o meu olhar húmido pela beleza poética das vidros sucessivos e geométricos das janelas sobre o porto da cidade. Maldição minha não ter a arte de as saber bem fotografar...
Não podia facilitar. Hoje tinha que fazer muitos quilómetros sob pena de transformar as minhas férias pela Europa num descanso ibérico. É que isto de andar em carris tem os seus defeitos. A ligação a França pelas grandes linhas excluiu-me a possibilidade de percorrer a fachada norte atlântica espanhola, feita de pequenas vilas piscatórias de praias acolhedoras, como a de São Vicente de la Barquera, e paisagens de encaixes urbanos indescritíveis, por exemplo Luarca.
O percurso fez-se pelo sopé meridional dos Picos da Europa, onde a paisagem é, ainda que poderosa, um pouco monótona na cadência amarelada e plana da meseta. O sono trazido do dia anterior e o atlético mergulho matinal empurravam-me as pálpebras para o chão à medida que me encaixava nos sofás confortáveis do ferrocarril da Renfe.
Despertei, bastante mais tarde e com alguma sorte, duas estações antes de Burgos onde pretendia fazer uma espécie de almoço, numa das Bodegas do centro histórico, onde a famosa morcilla é prato obrigatório. A ela juntei umas patatas bravas e um pincho exageradamente marcado pelo colorau, que apimentou o meu apetite para uma fotografia envergonhada da catedral, marco antigo do Caminho de Santiago para quem vinha de Bordéus.

A catedral de Burgos vista por mim a 11 de Agosto de 2003.


Antes que a siesta se apoderasse de mim, já estava na estação pronto para nova investida rumo a oriente. Destino: San Sebastian.
O percurso foi longo, mas a paisagem basca diverte a retina do olhar de qualquer um, graças à arquitectura de chalet, marcada pelo multicolor e pela forma como o humano encaixa meticulosamente no natural. Casas de madeira espalhadas pelas encostas ou aglomeradas em pequenas vilas encantadoras, junto a riachos de águas rápidas e frescas. Aqui e ali, estruturas industriais robusteciam os lugares, não os tornando mais belos, é certo, mas dando-lhes aquele toque maquinal que sempre encerra em si algum fascínio.
A chegada a San Sebastian, ou Donostia como lhe chamam os Bascos, foi pincelada por um belo entardecer que me ofereceu uma temperatura ao meu estilo, mais temperada no termómetro e no paladar salgado, por oposição ao calor abafado do interior espanhol, seco e tenso. No meu passeio pela capital do País Basco pude apreciar o skyline recortado das mansões junto à praia, lembrando a proximidade francesa e o glamour do passado da cidade, antigo retiro rico de veraneantes. A baía de la Concha transforma San Sebastian numa micro versão europeia do Rio de Janeiro, permitindo uma temperatura de água do mar invejável e um panorama delicioso, pontuado pela ilha de Santa Clara que aproxima os dois cabos nas extremidades da praia. Ainda pensei em ficar para o jantar, até porque a genuína pescada koskera (feita com camarão e espargos) é irresistível, mas o desejo de passar rapidamente os Pirinéus e chegar a Toulouse apressou o meu passo. Acabei por me despedir da imensidão marítima com um helado de fresa na mão e uma dorzinha de saudade no peito.
Aqui cheguei, já tarde, esfomeado e rezingão pela demora na transição fronteiriça de Irun para Hendaye. Correrias loucas em busca de novo comboio como consequência da mudança de bitola, nem me deixaram aproveitar aquele ambiente de cais de embarque, de contentores empilhados e gruas em exercício, onde cada movimento é suspeito de um qualquer crime misterioso de contrabando.
À chegada a Toulouse, e depois de devidamente instalado, apontaram-me esta praça como a última hipótese de um snack. Ça va. O hip hop de língua francesa e o MCM no televisor eram escusados, mas, cá fora, a vista para a ponte e para a cúpula compensam o desagrado pela experiência auditiva.
Depois de ter sido explorado por uma sanduíche mal amanhada e um café sensaborão, caminho lentamente para o gradeamento que me separa do rio e me isola com a paisagem. Espreito para baixo tombando a cabeça e, apesar da escuridão nocturna, a limpidez e a leveza escorregadia do Garonne reflectem a minha face cansada.
Longe de casa e do mar, escrevo numa outra folha deste diário as três palavras mágicas da canção que ecoa na minha cabeça: faded seaside glamour.
Amasso vigorosamente a folha na minha mão direita e vandalizo de forma imperdoável a perfeição do quadro, atirando em arco o papel amassado para o deleitoso Garonne. Ali vai ele veloz enquanto a minha imagem se dilui nas ondas de propagação do embate.
O rio, tal como a minha vida, é um quadro imperfeito de mensagens apagadas pela força das águas. Chegará ao mar.

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quarta-feira, agosto 22, 2007

Porto - Corunha
(Dia Um)

A foz do rio Minho junto ao espanhol Monte de Santa Tecla, como eu o vi em Agosto de 2003.

Pulp - My Lighthouse

Acordei tarde para o dia da partida e, por isso, atrasei o meu passo. A lógica clássica de partir cedo, para atravessar o quanto antes os Pirinéus, cedo se esvaneceu. Felizmente.
Ao princípio da tarde embarquei em Campanhã (de olhos postos no Dragão) rumo a norte, de onde umas ameaçadoras nuvens escurecidas surgiam, e aí me lembrei das palavras nostálgicas de José Gomes Ferreira quando partiu num barco para a Noruega: "braços de pedras magoadas, / murmúrio de dedos, / lenços de maresia, / Cabedelo, / a Barra / com um Castelo que só dispara tiros de ondas / Mar aberto / com a terra cada vez mais distante e fluida (...)".
É o defeito de se partir por terra sem sentir o embalo das águas e a canção das gaivotas, como naquela música dos Pulp. Mas em breve, a oscilação ferroviária e a cantiga ritmada da máquina sobre os carris fizeram-me esquecer o mar e as ondas com quem tinha encontro marcado para breve.
Até lá, saboreei a Linha do Minho e a paisagem mesclada, feita de verde rasgado por casas, subúrbios, nós e linhas, e sobretudo gente que se apinha em cada estação, em cada vez menor intensidade à medida que se viaja para norte, e em razão inversamente proporcional aos primeiros arrepios de frio deste suave Verão.
O percurso fez-se até Nine, a freguesia rainha dos ferroviários, e deslizou depois para a costa em direcção a Viana do Castelo. O imperdoável atraso matinal destroçou a hipótese de paragem na bela Viana do Lima e o meu apetite pelas bolas de Berlim do Natário. Ainda espreito vertente acima para a Santa Luzia e inspiro o ar do estuário pela frincha da janela, mas o comboio parte depois do apito no seu caminho setentrional.
O mar era então parceiro de viagem do lado esquerdo da paisagem enquanto do outro, como em Afife, a arriba morta decora a parede rude e agreste do cenário. Antes de atravessarmos o Côa, sobre a velha ponte de ferro, vi, ao final da tarde, a esplendorosa foz do Rio Minho aos pés do Monte de Santa Tecla, abraçando o Atlântico e oferecendo-lhe o forte Ínsua, pequena pérola à ilharga da costa.
Não resisti e saí na estação de Caminha para vingar a guloseima vianense com as tartes de morango da Docelândia, enquanto passeio rua abaixo para ver novamente a foz e o monte, irmãos unidos dos dois lados da fronteira, que arquitectam um lugar uno e único, junto à cidade do extremo noroeste de Portugal.
Os muros de Caminha são fortes e resistentes, mas esta pacifica-se com a noitinha que se aproxima, enquanto a Praça do Terreiro se enche de gente junto ao chafariz para uma bebida antes do jantar.
A tarte escandalosamente doce tirou-me o apetite e num acesso de loucura saltei novamente para o comboio em direcção à Corunha. Ainda pretendia por lá jantar, por muito tarde que chegasse, por isso tinha que me apressar. Já não haveria tempo para Vigo ou Pontevedra, mas ainda pude, pela janela imensa do comboio, apreciar o encanto do vale do Minho entre as fortalezas rígidas de Tuy e Valença ou as torres da mítica catedral de Santiago, iluminadas ao longe, indicando o lugar mágico para onde as gentes se encaminham.
Os últimos quilómetros, feitos com a janela fechada numa carruagem praticamente vazia e sob uma luz soturnamente incandescente, deram pouco alento à jornada que a animada noite da Corunha veio espevitar. Mas foi Sol de pouca dura. Mal cheguei procurei o Gallego, tasco de referência na Calle de la Franja, junto ao imponente Ayuntamento na Plaza Maria Pita, onde umas tapas de qualidade, do Pulpo a la feria à tortilla espanhola, e um café no Vecchio remataram um dia cansativo, provavelmente por ter sido o primeiro. Apesar da animação jovial das estreitas ruas do centro da cidade, acabei por me dirigir escorreito para o hotel junto à praia, de onde vi a baía de Órzan e, ao longe, a torre de Hércules a piscar para mim. O mais antigo e o mais belo farol da Ibéria indicava-me o caminho da cama, enquanto assobiava novamente a canção de Pulp. O meu farol.

A praia de Riazor na Corunha, dominada pela Torre de Hércules, 2 de Julho de 2005.

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terça-feira, agosto 21, 2007

Grandes Vinhetas # 20
(Dia Zero)

Retirado de "Spaghetti em Veneza" (1964) Attanasio/Goscinny.

Divine Comedy - Europe by Train

Foi no último ano do século passado que fiz a minha primeira (e verdadeiramente única) grande viagem de comboio. Na altura, imberbe tardo-adolescente, visitei um velho amigo que dirigia a associação ELSA e que me viria a receber na sua mansarda em Bruxelas, parte de um edifício ocupado por toda a organização.
Movido pela ideia de emancipação e de aventura (como se ir daqui para Bruxelas de comboio fosse como atravessar os Himalaias...), estreei-me, entre outras coisas, no TGV, nos vagões-cama e na solidão do passeio longe de casa. Recordo as conversas que mantive com um cansado par de emigrantes portugueses que viajavam a caminho de Estugarda, de um entusiástico diálogo com um encenador alemão sobre Gil Vicente e que, depois da conversa, acabaria a trocar carícias incómodas com o namorado no percurso acelerado entre Bordéus e Paris, e do meu encontro com Paco Raban numa esplanada parisiense junto ao Centre Pompidou, poucos dias antes do fim do mundo. No regresso, o turbilhão de acontecimentos foi ainda maior ao não conseguir garantir cama no comboio para a madrugada, pelo que partilhei um compartimento com sete pessoas de cada vez, sobretudo espanhóis e alemães, num corre-corre nocturno, de apitos e portas a bater, estação após estação, em que grande parte da noite sobrevivi com uma alemã a dormir no meu ombro e o pé de um espanhol aterrado no meu colo. O clássico balanço do comboio ao som embalador de tum-tum tum-tum, tum-tum tum-tum, tum-tum tum-tum (muito mais que pouca-terra pouca-terra!) inebriavam a resistência ao sono, apesar do permanente abrir e fechar de porta e da sucessão ardente e alternada, vinda da janela, de luz que invadia o compartimento sempre que a locomotiva parava nas estações, e de escuridão durante os percursos bamboleantes na plana meseta espanhola, da qual guardo o intenso perfume a terra seca.
E é nas vinhetas acima reproduzidas que me revejo a caminho de Bruxelas. Desde miúdo que me imaginava percorrendo o mundo por comboio, motivado seguramente pelas viagens pela Europa que, de há muito, fazia com os meus pais, e provavelmente pela proximidade à linha ferroviária que a minha casa de infância tinha. A leitura de "O Crime no Expresso do Oriente" também terá tido, seguramente, uma enorme importância na aura de mistério até porque o fui lendo durante uma dessas viagens com os meus pais. Recordo-me que lia um capítulo por noite (sem grande surpresa pelo desfecho, até porque já havia visto o fabuloso filme de Sidney Lumet), tendo numa delas a possibilidade de o fazer junto à janela do meu quarto de hotel em Amesterdão, que ficava sobranceiro à dinâmica estação ferroviária, onde pela primeira vez vi comboios de dois andares. Por razões que desconheço, mantenho ainda tatuado na minha memória o comboio azul que vi a passar na densa floresta junto à auto-estrada para Berlim, num tremendo dia chuvoso, ou o elegante comboio bege que cruzou por nós veloz na chegada a Trieste, depois da visita ao cemitério/memorial da I Guerra Mundial junto à encosta com a Eslovénia, e um pouco antes de avistar o anoitecer sobre a baía adriática onde a cidade descansava lá em baixo.
É por tudo isto que estas vinhetas aqui estão, mas também porque depois de 19 era impensável não fazer a vigésima para uma das mais fabulosas e negligenciadas personagens BD. Spaghetti, que surgiu pela primeira vez na revista Tintim criado pela dupla Attanasio (nascido e criado em Milão, mas "belga" desde os vinte anos) e Goscinny (provavelmente, como já alguém um dia escreveu, "o melhor argumentista de sempre de BD") a 16 de Outubro de 1957, é um herói desventurado que vive em fuga permanente do seu primo Pommodoro (no original Prosciutto!), que o vai metendo, história após história, em alhadas hilariantes. Os textos sensacionais e o desenho apurado combinam a aventura (com letra minúscula!) com doses intermináveis de humor, graças ao espírito italiano dos dois primos, entre o desenrasca malandro, o engatatão fracassado e o instável pessimista, permitindo amiudadas vezes um retrato de humor ácido sobre a mentalidade mediterrânica de desdém e gabarolice, mas também de humildade e generosidade. Veja-se, no lado mais negro, o comentário do maquinista (nas vinhetas acima) que desconhecendo o pandemónio que vai no comboio comenta: "... enquanto nós estamos para aqui a trabalhar, os passageiros têm a sorte de poderem descansar em sossego" ou o aborrecido turista que aparece em Veneza e Paris dizendo: "Não vale a pena vir ao país deles para ver coisas que nós fazemos melhor no nosso, do que eles no deles!".
Em Portugal apenas seis dos mais de vinte álbuns originais foram editados em português (se exceptuarmos as publicações em revistas), sendo que dois deles são de acesso particularmente difícil: "Spaghetti na feira" e "A vida dupla de Pomodoro", ambos publicados pela, há muito defunta, editora Íbis, na longínqua década de 70.
As vinhetas acima (que estão por ordem cronológica, mas não são consecutivas) são retiradas de uma das mais brilhantes histórias de Spaghetti que começa precisamente com a primeira vinheta acima, em que a personagem central como sempre tenta escapar à amizade de seu primo, arranjando emprego como hospedeiro de um comboio que se dirige para Veneza. Ao descobrir que o quarto número 13 pertence a Pommodoro, o caos instalar-se-à no comboio, terminando tudo à pancada. Na manhã seguinte, os viajantes descem para a plataforma veneziana com olhos negros e braços partidos, e Spaghetti é demitido e forçado a aturar Pommodoro que o envolverá numa trama que inclui detectives, quadros roubados e muitos banhos escusados nos canais de Veneza.
Decidi com estas vinhetas dar o mote para uma viagem de férias convosco. Por motivos que agora não interessa aflorar, este ano não partirei para longe da minha cidade e por isso usarei o blog para encetar uma viagem imaginária. Mas para o comboio não partir apenas com o maquinista, convido-vos a saltarem da plataforma para cá para dentro, dando disso conta na caixa de comentários onde venderei os bilhetes. Amanhã partiremos e já não dormimos no Porto. Agora só cá voltamos lá para Setembro.
De hoje em diante, o Comboio Azul avançará mesmo. Venham comigo!

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segunda-feira, agosto 20, 2007

A química entre elas

A Igreja redonda da Serra do Pilar vista do tabuleiro inferior da ponte Luís I, no passado fim-de-semana.

Suede - The Chemistry Between Us

Uma Cidade

Uma cidade pode ser
apenas um rio, uma torre, uma rua
com varandas de sal e gerânios
de espuma. Pode
ser um cacho
de uvas numa garrafa, uma bandeira
azul e branca, um cavalo
de crinas de algodão, esporas
de água e flancos
de granito.
Uma cidade
pode ser o nome
dum país, dum cais, um porto, um barco
de andorinhas e gaivotas
ancoradas
na areia. E pode
ser
um arco-íris à janela, um manjerico
de sol, um beijo
de magnólias
ao crepúsculo, um balão
aceso
numa noite
de junho.


Uma cidade pode ser
um coração,
um punho.


Albano Martins (2001) Castália e Outros Poemas

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quinta-feira, agosto 16, 2007

Numa noite como esta

A ponte Dona Maria vigiada ao longe pelo Paço Episcopal, anteontem à noite.

The Cure - A Night Like This

Não nasci por acaso nestas pedras
mas para aprender dureza,
lume excedido,
coragem de mãos lúcidas.

Aqui no avesso da construção dos tempos
a palavra liberdade
é menos secreta.

Anda nos olhos da rua,
pega lanças aos gestos,
tira punhais das lágrimas,
conclui as manhãs.

E principalmente
não cheira a museu azedo
ou musgo embalado
pela chuva da boca dos mortos.

Começa nos cabelos das crianças
para me sentir mais nascido nestas pedras.

Porto
- cidade de luz de granito.

Tristeza de luz viril
com punhos de grito.


José Gomes Ferreira (1955) Comboio

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terça-feira, agosto 14, 2007

Pedra, ferro e arte

As ruínas da ponte pensil vistas da ponte Luíz I, ainda há pouco.

Echo & the Bunnymen - Nothing Lasts Forever

Loa ao Porto

Que impulso de dizer-te pátria, Porto:
O corpo amuralhado de granito,
Cabelo d'água, à névoa, ao vento, exposto,
Face esculpida em grito.

Braços de ferro, arqueados, desmedidos,
Sobre o fluir dos barcos e do barro.
E um rumor antigo
Na voz das tuas ruas e mercados.

Vestes de escuro e enfeitas-te de luzes
Antes do Sol perder seu oiro pálido.
E das torres com sinos e com cruzes
Acenas ao mar largo.

Bulícios de cafés (há mais de mil)
Entornam-te nas veias graça e fogo.
E o lírico torpor dos teus jardins
Suspiros e repouso.

Que impulso de dizer-te pátria, Porto:
Coração, não de Pedro, mas de pedra
Com sangue fértil, vinho generoso
A gerar alma e terra.


António Manuel Couto Viana (1983) Entretanto entre tantos
_________________

Post dedicado ao Francisco Curate e aos 4 anos do Daedalus: pedra, ferro e arte.

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segunda-feira, agosto 13, 2007

100 anos

O Porto do Palácio das Sereias à Ponte Luíz I, a dois dias de Agosto.

Orchestral Manoeuvers in the Dark (OMD)- Souvenir

"Lisboa é um mostruário colorido e barroco de uma parte aventureira do nosso sangue. É, sobretudo, simultaneamente, um cais de embarque e desembarque da pressa que percorre o mundo. Cidade de muitas e desvairadas gentes, já lhe chamava o outro. Ora o Porto lembra-me antes uma séria e pacata citânia lusitana, murada da nossa altivez de cavadores. Se de resto Garrett pôde nascer do calor do seu coração, se António Nobre pôde morar em paz dentro das suas portas, e se mesmo numa das suas cadeias pôde ser escrito o «Amor de Perdição», que demónio é preciso mais para honrar os pergaminhos de alguém? "

Miguel Torga
_________________

A ler:
1 - Esta síntese onde está tudo, no Da Literatura.
2 - Esta pergunta pertinente no Verde e Cinzento.
3 - Esta lembrança no Bloguitica.
4 - E, provavelmente com o mesmo protagonista, este comentário, em O Amigo do Povo.

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sexta-feira, agosto 10, 2007

As ondas do mar da foz

O Atlântico como eu o vi da Avenida de Montevideu, num Agosto há quatro anos atrás.

The Waterboys - This is the Sea

Nem só no mar se navega, também
nas sombras e nos charcos da cidade inacabada
e já ruína
um homem se exalta e entristece
com as ondas precárias dos seus irmãos
nascendo e caindo na foz
quotidiana. Nem só no mar,
onde vivi outro rumor, nem só no sal que me lembra
o sabor do peixe antigo,
um homem naufraga. Também
nas casas velhas e nas ruas cansadas
as formigas imperceptíveis da morte
cumprem o seu destino. Inclino-me
sob o vento
e defendo a natureza da minha
voz: vegetação
tão vária, tão paciente
como as ondas do mar da foz.


Casimiro de Brito (2001) Livro das Quedas
_________________

A ler:
1 -
O Anti-Idónea, no Portugal dos Pequeninos.
2 -
Os resultados da «Boa Arquitectura», no A Baixa do Porto.
3 - Este post, no Instante Fatal.

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quinta-feira, agosto 09, 2007

Tudo o que eu não queria

O Convento da Serra do Pilar visto por nós do Passeio das Fontainhas, 14 de Fevereiro de 2007.

Joy Division - Love will tear us apart

Um Rio te Espera

Estás só, e é de noite,
na cidade aberta ao vento leste.
Há muita coisa que não sabes
e é já tarde para perguntares.
Mas tu já tens palavras que te bastem,
as últimas,
pálidas, pesadas, ó abandonado.

Estás só
e ao teu encontro vem
a grande ponte sobre o rio.
Olhas a água onde passaram barcos,
escura, densa, rumorosa
de lírios ou pássaros nocturnos.

Por um momento esqueces
a cidade e o seu comércio de fantasmas,
a multidão atarefada em construir
pequenos ataúdes para o desejo,
a cidade onde cães devoram,
com extrema piedade,
crianças cintilantes
e despidas.

Olhas o rio
como se fora o leito
da tua infância:
lembras-te da madressilva
no muro do quintal,
dos medronhos que colhias
e deitavas fora,
dos amigos a quem mandavas
palavras inocentes
que regressavam a sangrar,
lembras-te de tua mãe
que te esperava
com os olhos molhados de alegria.

Olhas a água, a ponte,
os candeeiros,
e outra vez a água;
a água;
água ou bosque;
sombra pura
nos grandes dias de Verão.

Estás só.
Desolado e só.
E é de noite.


Eugénio de Andrade (1990) Coração do dia

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quarta-feira, agosto 08, 2007

Grandes Vinhetas # 19
(Continuação do rodapé do post O Douro bebe as cores da cidade)

Retirado de "Os 4 Ases e a Taça de Ouro" (1967) Craenhals/Chaulet.

The Cure - Boys Don´t Cry

Bem sei que não acreditarás Daniel, mas apenas hoje vi esta vinheta pela primeira vez. Terás de concordar que é um enorme apoio para a minha causa... já em 1967, ano do lançamento do marcante You only live twice e apenas 5 anos após o pioneiro Dr. No, Georges Chaulet havia criado para a série 4 Ases uma personagem chamada Van Bond, inspirada seguramente no agente britânico, a quem é atribuído o epíteto de "O Espião Intocável" pelos inspectores Baleote e Dumafiga, precisamente durante um festival de cinema.
Originalmente, os 4 Ases foram pensados para funcionarem em romance e não em BD, muito ao estilo de "Os Cinco". Aliás, os 4 Ases são na verdade um quinteto, uma vez que a Lástico (o líder e herói físico do grupo), a Dina (a bela e vaidosa personagem do quarteto), a Doc (o intelectual) e a Bola (o imenso comilão) é imperioso juntar Óscar, o pequeno cão dos quatro amigos que se assemelha fisicamente a Milou e Ideiafix. Mas em 1962, os seus dois autores, François Craenhals no desenho e Georges Chaulet no argumento (que, sublinhe-se, distinguiram-se muito para além desta série), propuseram à Casterman a sua adaptação ao formato de banda desenhada.
Ainda que, aqui e ali, um tanto ou quanto infantil, sobretudo quando comparada a Ric Hochet ou Tintim, a combinação do talento dos dois autores proporcionou belos momentos de animação ao longo da segunda metade do século XX, estando neste momento com quarenta e três livros editados (o último dos quais em Maio de 2007), tendo a colecção sobrevivido inclusivamente à morte de um dos seus criadores, o desenhador belga, e ao abandono da série por parte do escritor francês. Na actualidade, a série mantém o traço muito semelhante ao original (agora da responsabilidade de Alain Maury), combinando a arte que crescia a partir da década de 50 nas revista Tintim e Spirou com o clássico traço da animação mais ameninada, sobretudo na personagem feminina, Dina, espécie de herdeira dos desenhos de Marcel Marlier para a Anita.
Ou seja, Daniel, depois de eu ter sugerido "007 - O Homem intocável" como título e a Untouchable dos Rialto como banda sonora, este pedaço da história da BD praticamente encerra o Fabuloso Passatempo de Verão b-site/melofobia, uma vez que a vitória parece incontornavelmente atribuída.
Mas como nesta coisa de concursos e de júris nunca se sabe, faço ainda mais uma sugestão para essa listagem das Bond songs. Apesar da canção necessitar de uma actualização, talvez incorporando alguma componente tecnológica que lhe incutisse um tom mais electrónico e enchesse os espaços sonoros vazios, julgo que a eterna Boys Don't Cry (1979), dos míticos Cure, seria uma óptima Bond Song, provavelmente para o filme "007 - Os homens não choram", através de uma possível versão dos Placebo. Estes 2 minutos e 42 segundos de música New Wave (ou pós-punk, como lhe queiram chamar) foi, como para muitos dos nascidos nos 70s, uma das mais importantes canções da minha mocidade, e, ainda hoje quando a ouço, o velho adolescente descabido, ingénuo e imberbe assola por aqui.
E por aqui me fico, até porque estou seguro da minha imensa vitória, graças obviamente a esta Grande Vinheta e ao espírito de Dragão azul e branco que tenho em mim desde o tempo em que ainda nem conhecia a Boys Don´t Cry.
_______________________

Assino por baixo estes 4 textos: Free from it all / I'm not gonna change, no Complexidade e Contradição; este sem título, no Abencerragem; Vai!, no Avatares de um Desejo; e Meninos de ouro, no Pobo do Norte.

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terça-feira, agosto 07, 2007

Conexões

Vista a partir de um recanto da praça do Infante, 28 de Abril de 2007.

Elastica - Connection

Alfândega

Que linha de tabelas,
na pauta aduaneira,
limitaria os desejos da Cidade,
um gosto de frutas de fibra,
um aroma de poeira de oiro?

Dos comércios da
Alfândega,
até hoje,
o sopro da fuligem do carvão haveria de voar,
a revestir as torres e as clarabóias
a tingir a boca ardente dos suicidas.


Mário Cláudio (1996) A Marginal do vento
_________________________

Aí vai a minha segunda contribuição para o Fabuloso Passatempo de Verão b-site/melofobia, lançado pelo Daniel. Seguramente, ao contrário da que anteriormente sugeri (Rialto - Untouchable), esta canção está mais acabada enquanto produto exequível para uma banda sonora de um filme de James Bond. Ainda que, tal como a dos Rialto, repleta dos tiques britânicos dos idos de 90, Connection dos Elastica mantém um ritmo forte e provocatório sem jamais deixar de ser melódica. Ao mesmo tempo, usa aquela linguagem ambígua (que normalmente resulta numa enorme nulidade de conceito), mas extremamente forte em mistério e intriga na sua acepção imediata e que coroam sempre os títulos dos filmes de Bond. No caso, o título do filme poderia ser por exemplo "007 - The Russian Connection" ou outra qualquer combinação de três ou quatro palavras à escolha entre Live, Kill, Love, Die ou Forever com a obrigatória Connection.
Apesar de um primeiro álbum (de onde foi retirada esta Connection) que foi muito vendido e extremamente bem cotado na crítica, os Elastica foram uma banda efémera, terminando num complicado processo de acusação de plágio por parte dos velhinhos Wire e, ao que consta, em enormes doses de alucinogéneos. Construídos a partir de dissidentes dos Suede, os Elastica, depois um curto mas intenso período de fama, acabaram por desaparecer tão depressa como surgiram.

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segunda-feira, agosto 06, 2007

O Douro bebe as cores da cidade

A ponte da Arrábida e o Porto ao fundo do rio, 26 de Junho 2007.

Rialto - Untouchable

A Bucólica Margem

Sento-me então a olhar o rio,
os pensamentos formam cardumes
que contra a corrente se insurgem
mas as águas são inexoráveis;
olhando-as, a superfície cintila,
propaga-se como se fossem notas
de um piano na garupa de um cavalo
que se dirige para o mar.
O Douro bebe as cores da cidade,
sobre elas eu abro o coração
em que te encontras, as colinas
emolduram as raízes que à terra
nos ligam. Para os meus olhos
é momento de pausa: as coisas
que interrogo não resistem à maré,
não dão respostas; perdem-se no mar
como tudo o que a memória não reteve.
Mas este rio
já foi longamente folheado, nele
escrevemos
o romance que nos deu uma casa,
nos cortou o cabelo, nos afastou
das rugas, nos entregou o azul
(tecido, nuvem, divã, janela...),
o voo das artérias, lugar do corpo,
portas que amanhecem, espelho
onde fazemos fluir a vida. Acordes
da guitarra que forja o horizonte,
que guia o sinuoso voo das gaivotas
e acaricia a pele que rasga atalhos
no interior dos sonhos. Estarei
vivo enquanto assim me guardar
teu coração. E no seu lucilar,
esta água imita o fogo
que devora sombras e escombros,
libertando a asa que no sangue
respira. A foz está próxima,
mas o horizonte é o teu olhar.
No leitor do carro, a guitarra flexível
sublinha o que divago; os acordes
disparam,
encontram-me na trajectória do seu alvo.


Egito Gonçalves (2000) Relâmpago
_________________________

Notas:
1 - A canção acima apresentada é a minha primeira contribuição para o
Fabuloso Passatempo de Verão b-site/melofobia, lançado pelo Daniel. Seguramente, a escolha está longe de ser brilhante, mas combina um certo ambiente de mistério e inquietude com um refrão orelhudo e explosivo, em que a palavra untouchable poderia servir de mote para um "007 - O Homem Intocável", ou qualquer coisa do género. A canção necessitaria seguramente de uma nova produção e até uns retoques na "roupagem", mas, ainda assim, mantém uma certa vibração épica que ficaria bem em qualquer trailer dinâmico de um clássico de Bond.
Os autores da canção pertencem a uma banda britpop da transição de século que já não existe - os Rialto - e que lançaram apenas dois álbuns (Rialto e Night on Earth) com temas nunca muito longe deste e sempre menos populares. Segundo li, já não sei bem onde, um dos seus quatro elementos, Johnny Bull, é conhecido como "O Touro" no Algarve, lugar onde vive actualmente, passando os dias a compor para artistas pouco conhecidos e a surfar em pranchas de long board. Boa onda.

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sexta-feira, agosto 03, 2007

Trinta e três
(Para os meus pais)

A igreja de Nossa Senhora da Conceição, na Praça do Marquês, Porto, 5 Julho de 2007.

7.ª Legião - Por quem não esqueci
Num parque, à contra-luz

Houve pintores do porto
que inventaram assim
para seu uso o porto,

as suas sombras negras e douradas
pertencem-lhes.
eu sei perfeitamente

qual a renda das copas que me interessa,
num parque, à contra-luz,
quais

os reflexos da pedra
e do vidro,
ou o talhe

das cantarias numa fachada,
qual
o baloiçar ronceiro de um carro eléctrico

zumbindo numa subida,
qual
a moldura de uma ponte

a enquadrar a golfada do rio,
qual
o percurso de um passeio

moroso ao escurecer.
mas sei-o como efeito de estilo
questão de prosa

ou de poesia trabalhada,
de ironia, de uma pobre
ironia biográfica


Vasco Graça Moura (1993) Poemas escolhidos
_______________________________

A ler:

1 -
Esta pergunta no Cibertúlia.
2 - Mais um
divertido texto do Fitzx no Cromos da Bola.
3 -
Esta pérola (entre muitas, é certo!) no A Memória Inventada.
4 -
Esta observação (ainda a propósito da discussão em torno do Tintim no Congo) no As Aranhas.

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quinta-feira, agosto 02, 2007

East End River

As pontes de São João e do Freixo sobre o Douro, 24 de Julho de 2007.

Muse - Time is running out
O Rio

Cerca-me profundamente como sombras.
Não é fácil devolvê-lo à realidade, tão espesso
sob a minha pele.
Clarão de lama e luz moldando-me
a alma, os pequenos objectos que indagam a noite, o agudo
abismo que o tempo afaga


Jorge Velhote (2001) Ao Porto

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quarta-feira, agosto 01, 2007

Grandes Vinhetas # 18
(Post tremendamente pretensioso)

Retiradas de "O gás do Kuko Jomon - As Aventuras de Spirou e Fantásio" (1970) Fournier.

Tindersticks - For those...

Terminou, há duas semanas, a publicação semanal de vinte títulos da série “As Aventuras de Spirou e Fantásio”, numa parceria do jornal Público com a Asa. No meio dessa bela listagem figuravam 9 livros inéditos em Portugal que, necessariamente, aguçaram a atenção de todos os coleccionadores da série, tornando por vezes a espera pela quarta-feira desesperante. As vinhetas acima fazem parte de um dos álbuns que, pela primeira vez, foram editados em português, ainda que com cerca de 37 anos de atraso para a versão original.
Não sendo um álbum brilhante (longe disso!), "O Gás do Kuko Jomon" combina um argumento razoavelmente interessante com a qualidade inquestionável do desenho de Jean-Claude Fournier, sucessor de Franquin na liderança da série por sugestão deste ao editor Delporte, que na altura (1968) chefiava a Revista Spirou. Franquin (de quem já falamos por exemplo aqui ou aqui) abandonaria de vez a série para se dedicar a Gaston Lagaffe (que também já teve direito a figurar na minha lista das Grandes Vinhetas, aqui e aqui) e a Marsupilami, ambos criados ainda durante o "Período de Ouro" de Franquin à frente das histórias de Spirou e Fantásio.
E, sobretudo por isso, Fournier merece todo o respeito dos leitores de Spirou porque, apesar de nunca ter atingido o brilhantismo dos álbuns de Franquin, conseguiu manter a série num nível elevado (embora, aqui e ali, um pouco ecológica e moralista em excesso) depois de esta ter visto partir aquele que tinha transformado o "repórter vestido de paquete" numa referência mundial da BD, durante as década de 50 e 60. Para além disto, e à excepção do primeiro livro de Fournier na série – “O Fazedor de Ouro”, Marsupilami e Gaston Lagaffe não mais puderam ser utilizados no enredo, uma vez que Franquin guardou os direitos das personagens e levou-os consigo para novas paragens. E é neste contexto, tentando criar novas figuras que ultrapassassem o carisma das duas já referidas, que Fournier cria por exemplo Itoh Kata, o cientista japonês que colide com o Conde de Champignac nas vinhetas acima, (também ele criação de Franquin mas que, ao contrário de Marsupilami e Gaston, continuará a fazer parte do enredo), numa postura educada das duas personagens, mas com resultados dolorosos.
É certo que as vinhetas não são particularmente inspiradas, tanto no desenho como na criatividade argumentativa, mas vieram-me imediatamente à cabeça na sucessão de comentários deste quiz que brilhantemente (a parte do pretensioso…) triunfei no Womenage A Trois.
Ao mesmo tempo, como os Tindersticks faziam parte do quiz e os seus ouvintes costumam ser bastante pretensiosos, lembrei-me de oferecer esta canção ao meu amigo Linear P, que foi quem primeiro ma deu a conhecer, há muitos anos atrás, numa versão ao vivo no Bloomsbury Theatre (e, obviamente, apesar de seres um fiel dos Tindersticks, não fazes parte dos pretensiosos!). Na altura, encantei-me de imediato pela canção que, naquela fase da banda de Nottingham, costumava ser a última dos seus concertos. Durante muitos anos procurei a versão original sem sucesso (e tantas vezes incomodei o Linear P para a arranjar...), vindo recentemente a descobri-la como B-side do single Marbles, de Março de 1993.
Aproveito ainda para enviar um abraço do tamanho do Atlântico para o meu amigo Tiago que, em Rochester, acaba de dar mais um passo na sua caminhada para Ministro das Finanças deste cantinho da Europa. Esperamos por ti!!!!

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